segunda-feira, 27 de junho de 2011

NARA – A FORÇA DA DELICADEZA

O show em homenagem a Nara Leão, vinte e dois anos depois que ela nos deixou (7.6.1989), evidencia a imagem que ficou, de uma cantora que foi um dos símbolos de uma geração. Nara é corporificada por uma bela atriz-cantora, Fernanda Couto, que a revela não só pelo repertório, mas também pela voz e pela postura. Uma imagem de delicadeza.

Mas não falta força a tanta delicadeza. Assim como a Nara real, Fernanda Couto – a Nara do palco – perfeitamente entrosada com Guilherme Terra (teclados), William Guedes (violão) e Rodrigo Sanchez (bateria), mostra carisma e presença cênica. E imita perfeitamente bem a maneira simples e despretensiosa de cantar daquela que dá nome ao show.

A ambientação – cenário, figurino e telão – mostra o equilíbrio de uma equipe entrosada e competente, trabalhando em função de um resultado final muito coeso.
Durante uma hora e pouco, pode-se ouvir trechos de músicas emblemáticas do período que vai de 1964 a 1977 – anos duros, anos de chumbo. A direção musical, de Pedro Paulo Bogossian, sublinha a narrativa com precisão e bom gosto. Ouvem-se as músicas da bossa nova, dos festivais, dos shows Pobre menina rica e Opinião. Por este, ela recebeu voz de prisão. Da qual foi salva por um poema de Carlos Drummond de Andrade e uma manifestação de protesto.

O caráter intimista, que é a marca da bossa nova, dá o tom do show Nara. Os músicos são muito bons, as vozes estão muito bem entrosadas, o texto é linear e coloquial. Tudo acontece como uma história de vida, narrada ora em primeira, ora em terceira pessoa. Fatos e simples lembranças, citações, tudo remete a um período em que os jovens (pelo menos alguns) tinham mais consciência política. E, apesar do tom cinzento da vida intelectual brasileira, nos anos mais marcantes da artista, fica bem claro que, sem erguer a voz, ela se fazia ouvir.

Por isso, neste dias de mais liberdade, mas de tantas agressões a nossos ouvidos, pelo excesso de ruídos e pelo excesso de banalidade, o show Nara é um oásis. Para quem vivenciou essa época. E para quem não a vivenciou, mas que precisa e merece conhecê-la.

ONDE: Teatro Jaraguá
Rua Martins Fontes, 71 – F. 3255-4380
Centro – São Paulo – SP

QUANDO: De sexta a domingo, até final de julho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

VOZ, VIOLÃO E ENCANTAMENTO

Adélia Issa, soprano, e Edelton Gloeden, violão, nos ofereceram, no último domingo de maio, pequenas e raras jóias musicais, às quais acrescentaram o brilho de suas interpretações. Raro foi esse evento, realizado na série Cortinas Lyricas, do Teatro Oficina, porque são poucas as oportunidades que temos de ouvir composições que vêm da Idade Média e Renascença, e ainda mais raras quando são obras compostas originalmente para voz e violão.

As peças de “tradição e folclore” – subtítulo do evento – são em inglês, em arranjos de Benjamin Britten; em espanhol, em arranjos de Robert Gehrard e de Joaquin Rodrigo, famoso por seu Concerto de Aranjuez; em francês, arranjadas por M. Seiber. As raras canções em português são harmonizadas por Fernando Lopes Graça, escritor, compositor e musicólogo português, que assessorou Béla Bartók em Portugal, quando este dedicou-se às pesquisas folclóricas em solo lusitano. Mais conhecido como escritor e musicólogo, Lopes Graça demonstrou boas qualidades em seu trabalho composicional.

O recital contou ainda com peças para violão solo, que entremearam a parte de canto. A Mazurca de Tansman e as Sevillanas, de J. Turina ,são obras fortes, que exigem técnica firme e virtuosismo ( o que Gloeden realiza com plenitude). A segunda obra, dedicada a Andrés Segóvia, com seus “rasqueados”, evoca o repertório flamenco. O violão brasileiro, que é uma tradição à parte, foi representado por Radamés Gnatalli, com sua Tocata em ritmo de samba nr 2, que exige as mesmas qualidades que as anteriores.

O argentino Carlos Guastavino, falecido em 2000, compareceu com a encantadora e nostálgica Pueblito, mi pueblo, que nos anos de ditadura foi uma espécie de hino dos exilados políticos – conforme nos informou Adélia Issa. E o brasileiro Mozart Camargo Guarnieri, falecido em 1993, foi representado pelas 3 canções brasileiras, que trazem o mesmo tom jocoso que as peças antigas: Vou-me embora, Quando embalada e Quebra o coco, menina (esta, com texto de Juvenal Galeno).
O bis não foi menos interessante: a cantiga de Natal de Ernest Mahle com texto de Vinícius de Moraes.

O perfeito entrosamento entre ambos, a bela voz e interpretação solta, leve e adequada, de Adélia Issa, e a feliz escolha de repertório deixaram o público entusiasmado. Tão entusiasmado que os aplausos emocionaram até as lágrimas a produtora do evento, Naomy Schölling. Graças ao patrocínio da Petrobras, que vem presenteando o público paulista com belos recitais, foi colocado em cena um jovem poeta, Daniel Ferreira, que, parafraseando trechos do repertório, manifestou em versos seu deslumbramento.

Um domingo feliz para todos nós. Que nos irmanamos nos aplausos... pela beleza e encantamento...pelos momentos felizes, ao som de voz e violão ...