quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ANTONIETTA E MENOTTI – UMA HISTÓRIA DE AMOR

Uma figura digna de todos os elogios que recebeu: esta era Antonietta Telles Rudge, pianista paulistana. Reconhecida no Brasil e na Europa como grande intérprete de Chopin e Beethoven. Atuou também como camerista, e criou em 1915 o primeiro Trio Feminino brasileiro, com Paulina d’Ambrosio e Brasiliana Bormann. Casou-se com Charles Miller, introdutor do futebol no Brasil, e tiveram uma filha, Helena Rudge Miller.

O poeta Emílio de Menezes (1866-1918) dedicou-lhe, no livro Últimas rimas, de 1917, um soneto em que fala da pianista como artista e como mãe:

À Senhora Antonietta Rudge Miller

Ser mulher e ser mãe dentro de um sonho de arte
Que, aureolando a virtude e engrandecendo o amor,
Deixa aquela integral quando este se biparte
Ante o casto recesso e ante a pompa exterior.

Eis o que faz querer-te, eis o que faz amar-te,
Alma indômita entregue ao pulso domador
Que a amplia, que a desdobra e a leva a toda parte
Da intérprete, a certeza e, do gênio, o esplendor.

Jamais mão feminina, entre as róseas falanges
Reuniu tanto poder, tanta fascinação
Como essa com que os sons infinitos abranges.

Guaie sutil o vento ou ruja o furacão,
Louco esbraveje o mar, ou meigo gema o Ganges,
Tens o eco universal dentro de cada mão!...

Mais tarde, a vida separou Antonietta e Charles. Ela permaneceu com a filha e, tempos depois, passou a viver com o poeta, escritor e jornalista Paulo Menotti Del Picchia. Ambos formavam um casal unido e harmonioso, e permaneceram junto até que ela faleceu, em 1974. A filha de Antonietta, Helena, cuidou do padrasto até que também ele se foi.

Próxima à residência de ambos, na Avenida Brasil, quase esquina com a Avenida Rebouças, mais precisamente na Praça Portugal, foi erigida uma herma com o busto da grande pianista brasileira.

Nos anos oitenta, alguém comentou comigo que, todas as manhãs, bem cedo, antes que começasse o movimento da cidade, Menotti se acercava da herma e lá permanecia, por um bom tempo, de cabeça baixa, com o chapéu na mão, como se estivesse conversando com Antonietta. Então, em homenagem a esse grande amor, escrevi em 1993 um poema que relata este fato e dediquei-o a meu companheiro Sergio de Nucci, que havia conhecido o poeta:

Soneto

É São Paulo ou Verona? Medioevo
Ou a idade agressiva dos ruídos?
Silêncio nos jardins adormecidos...
Nem prédios nem veículos têm relevo.

Vulto pálido, branca cabeleira,
Lento mas firme esgarça névoa e tempo,
Para encontrar, num rápido momento,
A paixão que valeu a vida inteira.

Para leste, crepita o dia urgente;
O movimento cresce. Bulha. Agito.
Só o vulto em prata sequer se inquieta.

Pouco lhe importam os traços do presente.
Digno, firme, distante e convicto,
Menotti vela a herma de Antonietta.