segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ISRAEL DE ALMEIDA, CORAÇÃO DE SETE CORDAS


No dia 21 de outubro de 2013, Israel Bueno de Almeida, violonista do grupo Izaías e seus Chorões e de muitos outros grupos que fizeram a glória do choro em São Paulo, completou 70 anos. Mandei um e.mail com votos de felicidades, e ele me respondeu com a modéstia lacônica de sempre.

Israel fala pouco, mas é capaz de surpreender com achados verbais sempre adequados, onde não falta um toque espirituoso, quase irônico. Mas acredito que isso seja apenas entre pessoas com as quais mantém um contato mais próximo, pois geralmente, em público, fala pouco. O que me proporcionou a oportunidade de conhecer esse traço pessoal foi o fato de termos trabalhado juntos durante quinze anos, tempo em que implementei um projeto de reestruturação do Arquivo Artístico do Teatro Municipal (que é um arquivo de partituras para uso dos Corpos Estáveis do Teatro).

         Grande conhecedor de música em teoria e, na prática, de música popular, Israel é irmão e parceiro musical de Izaías Bueno de Almeida, bandolinista histórico de São Paulo. Izaías também trabalhou no Arquivo, por menos tempo que o irmão, mas o suficiente para eu poder observar e até traçar um perfil psicológico de ambos. Izaías é loquaz, brincalhão, comunicativo – e faz muito bem o papel de mestre de cerimônias quando o grupo se apresenta. É músico com perfil de solista, enquanto Israel faz a base harmônica, sempre criativa, desenhando baixos surpreendentes e suas correspondentes harmonias. Estas características musicais se manifestam também nas composições de ambos, onde a linha das músicas de Izaías revela sua vocação de melodista, que se destaca em sua harmonia muito rica e bem tradicional. Já a harmonia visivelmente elaborada de Israel completa desenhos melódicos originais e de caráter jazzístico.

         Ao assumir a chefia do Arquivo, verifiquei que os dados biográficos dos músicos contratados precisavam de uma redação mais completa, mostrando melhor a trajetória de cada um. Como já conhecia um pouco todos eles, sabia que Israel tinha tocado no Show do Dia 7, programa de muito sucesso na Rede Record, nos anos 60, e também no lendário O Fino da Bossa, acompanhando Elis Regina e Jair Rodrigues, na mesma época.

Ao reescrever os currículos, começou a difícil missão de fazê-lo lembrar das suas principais realizações musicais, inclusive os muitos discos de que participou. Não acho que Israel quisesse esconder seus trabalhos: parece mais que estava sempre voltado para o futuro, para as coisas que viria a fazer. E tudo isso, aliás, era sempre uma retomada do passado mais brilhante do choro, tradição que o conjunto Izaías e seus Chorões mantêm até hoje. Sua modéstia, acho, deriva da posição de quem faz questão de compartilhar um tesouro com as gerações atuais. E que se coloca como agente dessa tradição, deixando de lado sua própria individualidade e seu papel nesse trajeto.

Começando com o cavaquinho harmônico, Israel passou para o violão tradicional, e dele para o violão de 7 cordas. Aos 17 anos, por indicação de seu mestre (acho que Antonio D’Auria) foi atuar como violonista em regional de uma Rádio, pois era a época em que os regionais passavam a substituir as grandes orquestras, que caracterizam a música ao vivo nas rádios nos anos quarenta e cinqüenta. Não muito mais tarde, já se destacava como violonista (isto não foi ele quem contou). Depois do período em que a MPB atingiu seu auge, atuou no Conjunto Atlântico (anos 70) e esteve morando no Rio de Janeiro, tocando no Cassino da Urca. Quando seu pai morreu, voltou a São Paulo e passou a tocar mais regularmente com o irmão, embora continuasse tocando em gravações.

Nos anos oitenta, por insistência de Cristina Azuma, violonista brasileira radicada na França, participou de um concurso na Martinica. E ganhou o primeiro prêmio com sua belíssima composição Frio e chuva, que essa violonista interpretou. Esta e outras seis músicas suas são atualmente representadas na França pela Editora Henri Lemoine.

         Comecei falando de seu laconismo e de sua verve irônica e espirituosa.

Pois vou terminar assim também.

Ao concluir o curso superior em música, no Dramático e Musical de São Paulo, Israel recebeu como proposta para o TCC (trabalho de conclusão de curso) a composição de uma peça musical. Contou ele que o Professor disse: “E você, escreva alguma coisa”. Ele escreveu uma peça orquestral. O nome? “Alguma coisa”.

Lembro ainda que um dia Israel chegou ao Arquivo contando que, no ônibus, uma moça que queria passar lhe deu um empurrão, dizendo: “Sai pra lá, velho!” Isto porque tem os cabelos completamente brancos desde seus vinte anos.

         Mas a resposta dele foi rápida: “Velho? Ah, se você tiver sorte, vai ficar velha também!”