domingo, 31 de março de 2013

CEM ANOS DE SINDICALISMO MUSICAL EM SÃO PAULO



Embora não tivesse o caráter político que norteou muitas das associações de classe dos trabalhadores, nos primeiros anos do século XX, o CENTRO MUSICAL DE SÃO PAULO, entidade criada em 1º. de março de 1913, por iniciativa do maestro Savino De Benedictis, manteve-se atuante durante quase cinqüenta anos. E atuando com sucesso, mesmo diante dos percalços que o país e o mundo enfrentaram nesse período. Mais que isso: frente a todas as mudanças que se deram no país, em relação aos trabalhadores, pôde continuar, através do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo e da  Ordem dos Músicos do Brasil.

O Centro Musical do Rio de Janeiro, entidade criada em 1907 na então Capital da República, teve como primeiro presidente o maestro e compositor Francisco Braga. Eulícia Esteves, historiadora desta entidade, que teve acesso a muitos de seus documentos,  revela que o Decreto nr. 1.637, do presidente Affonso Penna, em 5.1.1907, na letra da lei havia criado os sindicatos e sociedades corporativas, mas na prática, os havia apenas sancionado, pois que então já existiam. 

Durante a gestão do biênio 1911-1912, da entidade carioca, consta que um ofício assinado por 64 músicos de São Paulo, solicitava a criação de uma sucursal do Centro Musical carioca em São Paulo. Isto não aconteceu, nesses termos. A criação do Centro Musical de São Paulo deu-se independentemente da do Rio.

Embora não esteja claramente estabelecido nos textos de um ou outro Centro Musical (Rio ou São Paulo), o título “professores”, dado aos sócios, a exigência de provas de instrumento ou conhecimentos teóricos, as atividades para as quais são estabelecidas as tabelas de pagamento, inferimos que ambas as associações se referiam sempre a músicos com formação minimamente formal, isto é, pessoas capazes de ler as partes e de tocar obras escritas para conjuntos musicais.

O primeiro presidente do Centro Musical de São Paulo foi Savino De Benedictis, que o organizou e fundou, ao lado de outros instrumentistas e professores, como ele. Por essa época, a vida musical de São Paulo, em sua vertente formal, tinha dois eixos: primeiro o Conservatório Dramático e Musical, fundado em 1904, e do qual Savino De Benedictis era professor de contraponto, harmonia, fuga e composição; e o Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911.   

Sendo São Paulo uma cidade em franco crescimento, sobretudo pela implantação de indústrias, tinha um amplo mercado de trabalho para os músicos, pelo estabelecimento de diversas entidades que ofereciam inúmeras opções de lazer à população. Entre elas, os cafés-concerto, os teatros de variedades e principalmente os cinemas, que à época não tinham ainda espaços próprios, com acomodações convenientes, existindo muitas vezes em salas adaptadas. Mas a projeção cinematográfica exigia um acompanhamento musical, e isso ampliava as oportunidades dos músicos. Para evitar que os músicos contratados recebessem pagamentos indignos, os Estatutos dessa entidade estabeleciam uma Tabela com 19 itens subdivididos, especificando claramente a remuneração devida para cada função instrumental, por determinadas horas de trabalho.

Se levarmos em consideração que já no dia 1º. de abril de 1913 o Centro Musical de São Paulo promoveu uma greve de músicos, podemos inferir que os empregadores (ou contratadores de serviços) tinham se negado a cumprir as tabelas, rigorosas e precisas, mas muito justas. Levando-se em consideração que o músico “de fila” (como hoje são denominados os instrumentistas de orquestra) precisa estudar para manter a técnica; deve ensaiar com o grupo, para fazer um trabalho integrado; deve se apresentar vestido com traje social completo e impecável, e ainda faz uso de seu próprio instrumento, fica claro que a paga deve fazer jus a todas essas exigências, implícitas em sua contratação. 

A greve deve ter sido vitoriosa, pois o Centro Musical de São Paulo continuou na ativa, mesmo depois que o cinema ficou sonoro e gerou a dispensa em massa da categoria. Sobreviveu a duas guerras mundiais, e atravessou crises nacionais, como o Estado de sítio, no início dos anos 30, em que reuniões foram proibidas, e depois a Revolução Constitucionalista de 1932. Sofreu a concorrência do rádio e do disco, que mantinham postos de trabalho apenas para uma minoria...

Durante sua existência, o Centro Musical de São Paulo organizou seus próprios espetáculos e também deu suporte musical a eventos encomendados, entre os quais muitos do próprio Teatro Municipal, que alternava essas atividades com as da Sociedade de Concertos Sinfônicos, surgida em 1921 e que se manteve com assinaturas até fins da década de trinta. Em 1933, o Centro Musical estabeleceu assinaturas para sua própria orquestra, passando a se apresentar por conta própria no Teatro Municipal, e continuando a atender a demanda externa. Por exemplo, nos primeiros anos do Departamento de Cultura, mediante contrato de prestação de serviços, apresentava toda a programação musical, intensa e variada, idealizada por Mário de Andrade para atender o projeto de educação musical que o Departamento pretendia. Teve excelentes regentes e grandes solistas, e em sua programação sempre incluía obras de autores nacionais. Esta orquestra foi incorporada pela Prefeitura do Município de São Paulo através da Lei Municipal nr. 3.829, de 28.12.1949, com o nome de Orquestra Sinfônica Municipal.

O Centro Musical de São Paulo é, atualmente, o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo, reconhecido por Carta Sindical do Ministério do Trabalho e Previdência Social em 1941, filiado à Federação dos Trabalhadores em Empresas de Difusão Cultural e Artística do Estado de São Paulo, sendo declarada entidade de utilidade pública pela Lei Estadual nr. 5.888, de 26.9.1960.

Merecidamente, o maestro e professor Savino De Benedictis recebeu o título de Sócio Honorário, em dezembro de 1934, por sua atuação junto à entidade que fundara. Em 1967 recebeu Troféu da Ordem dos Músicos do Brasil, entidade que, com o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo, dava continuidade aos objetivos do Centro Musical de São Paulo.