Embora não tivesse o
caráter político que norteou muitas das associações de classe dos trabalhadores,
nos primeiros anos do século XX, o CENTRO MUSICAL DE SÃO PAULO, entidade criada
em 1º. de março de 1913, por iniciativa do maestro Savino De Benedictis, manteve-se
atuante durante quase cinqüenta anos. E atuando com sucesso, mesmo diante dos
percalços que o país e o mundo enfrentaram nesse período. Mais que isso: frente
a todas as mudanças que se deram no país, em relação aos trabalhadores, pôde
continuar, através do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São
Paulo e da Ordem dos Músicos do Brasil.
O Centro Musical do Rio
de Janeiro, entidade criada em 1907 na então Capital da República, teve como
primeiro presidente o maestro e compositor Francisco Braga. Eulícia Esteves,
historiadora desta entidade, que teve acesso a muitos de seus documentos, revela que o Decreto nr. 1.637, do presidente
Affonso Penna, em 5.1.1907, na letra da lei havia criado os sindicatos e
sociedades corporativas, mas na prática, os havia apenas sancionado, pois que
então já existiam.
Durante a gestão do
biênio 1911-1912, da entidade carioca, consta que um ofício assinado por 64
músicos de São Paulo, solicitava a criação de uma sucursal do Centro Musical
carioca em São Paulo. Isto não aconteceu, nesses termos. A criação do Centro
Musical de São Paulo deu-se independentemente da do Rio.
Embora não esteja
claramente estabelecido nos textos de um ou outro Centro Musical (Rio ou São
Paulo), o título “professores”, dado aos sócios, a exigência de provas de
instrumento ou conhecimentos teóricos, as atividades para as quais são estabelecidas
as tabelas de pagamento, inferimos que ambas as associações se referiam sempre
a músicos com formação minimamente formal, isto é, pessoas capazes de ler as
partes e de tocar obras escritas para conjuntos musicais.
O primeiro presidente do
Centro Musical de São Paulo foi Savino De Benedictis, que o organizou e fundou,
ao lado de outros instrumentistas e professores, como ele. Por essa época, a
vida musical de São Paulo, em sua vertente formal, tinha dois eixos: primeiro o
Conservatório Dramático e Musical, fundado em 1904, e do qual Savino De
Benedictis era professor de contraponto, harmonia, fuga e composição; e o
Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911.
Sendo São Paulo uma
cidade em franco crescimento, sobretudo pela implantação de indústrias, tinha
um amplo mercado de trabalho para os músicos, pelo estabelecimento de diversas
entidades que ofereciam inúmeras opções de lazer à população. Entre elas, os
cafés-concerto, os teatros de variedades e principalmente os cinemas, que à
época não tinham ainda espaços próprios, com acomodações convenientes,
existindo muitas vezes em salas adaptadas. Mas a projeção cinematográfica
exigia um acompanhamento musical, e isso ampliava as oportunidades dos músicos.
Para evitar que os músicos contratados recebessem pagamentos indignos, os
Estatutos dessa entidade estabeleciam uma Tabela com 19 itens subdivididos,
especificando claramente a remuneração devida para cada função instrumental,
por determinadas horas de trabalho.
Se levarmos em
consideração que já no dia 1º. de abril de 1913 o Centro Musical de São Paulo
promoveu uma greve de músicos, podemos inferir que os empregadores (ou contratadores
de serviços) tinham se negado a cumprir as tabelas, rigorosas e precisas, mas
muito justas. Levando-se em consideração que o músico “de fila” (como hoje são
denominados os instrumentistas de orquestra) precisa estudar para manter a
técnica; deve ensaiar com o grupo, para fazer um trabalho integrado; deve se
apresentar vestido com traje social completo e impecável, e ainda faz uso de
seu próprio instrumento, fica claro que a paga deve fazer jus a todas essas
exigências, implícitas em sua contratação.
A greve deve ter sido
vitoriosa, pois o Centro Musical de São Paulo continuou na ativa, mesmo depois
que o cinema ficou sonoro e gerou a dispensa em massa da categoria. Sobreviveu
a duas guerras mundiais, e atravessou crises nacionais, como o Estado de sítio,
no início dos anos 30, em que reuniões foram proibidas, e depois a Revolução
Constitucionalista de 1932. Sofreu a concorrência do rádio e do disco, que
mantinham postos de trabalho apenas para uma minoria...
Durante sua existência, o
Centro Musical de São Paulo organizou seus próprios espetáculos e também deu
suporte musical a eventos encomendados, entre os quais muitos do próprio Teatro
Municipal, que alternava essas atividades com as da Sociedade de Concertos Sinfônicos,
surgida em 1921 e que se manteve com assinaturas até fins da década de trinta.
Em 1933, o Centro Musical estabeleceu assinaturas para sua própria orquestra, passando
a se apresentar por conta própria no Teatro Municipal, e continuando a atender
a demanda externa. Por exemplo, nos primeiros anos do Departamento de Cultura,
mediante contrato de prestação de serviços, apresentava toda a programação
musical, intensa e variada, idealizada por Mário de Andrade para atender o
projeto de educação musical que o Departamento pretendia. Teve excelentes
regentes e grandes solistas, e em sua programação sempre incluía obras de
autores nacionais. Esta orquestra foi incorporada pela Prefeitura do Município
de São Paulo através da Lei Municipal nr. 3.829, de 28.12.1949, com o nome de
Orquestra Sinfônica Municipal.
O Centro Musical de São
Paulo é, atualmente, o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São
Paulo, reconhecido por Carta Sindical do Ministério do Trabalho e Previdência
Social em 1941, filiado à Federação dos Trabalhadores em Empresas de Difusão
Cultural e Artística do Estado de São Paulo, sendo declarada entidade de
utilidade pública pela Lei Estadual nr. 5.888, de 26.9.1960.
Merecidamente, o maestro
e professor Savino De Benedictis recebeu o título de Sócio Honorário, em
dezembro de 1934, por sua atuação junto à entidade que fundara. Em 1967 recebeu
Troféu da Ordem dos Músicos do Brasil, entidade que, com o Sindicato dos
Músicos Profissionais do Estado de São Paulo, dava continuidade aos objetivos
do Centro Musical de São Paulo.