Junto à farmácia morava a família de minha tia Edith Mercer
Gonçalves, casada com meu tio Evaldo Gonçalves, hoje o último remanescente vivo
daquela geração. Quando eu via o rio, sabia que estávamos chegando na
cidade, onde nosso ponto era a Farmácia
Mercer, e onde éramos recebidos com muito carinho. Lembro-me do Sr. Aroldo, a
quem eu admirava muito, desde que soube que ele conhecia bem o Latim – se não
me engano, era professor dessa matéria, quando ela constava do curriculum
escolar. Lembro-me também muito da Sra. Maria Mercer, a quem continuei vendo
até os anos 80, pois ela vinha a São Paulo, com Tia Edith, e as duas irmãs
faziam questão de me visitar. Eu admirava muito o trabalho de frivoleté, uma
renda de origem francesa, na qual as irmãs eram mestras. Devo confessar que
consegui aprender um pouco de latim, mas ainda não consegui aprender
frivoleté...
Naquela época, eu me encantava com o aspecto antigo da
cidade de Tibagi, afinal tão perto de uma região recentemente colonizada, o
hoje chamado Norte Pioneiro, onde nasci.Minha cidade natal, Cambé, hoje parte da Grande Londrina,
crescia visivelmente, dá para ver sua expansão a partir das fotos de minha
infância, as casas surgindo ao redor da nossa, do meu primeiro para segundo,
terceiro, quarto ano de vida... Aos meus
olhos de criança, Tibagi me parecia que tinha estado sempre ali, que sua praça
central teria sempre as árvores do mesmo jeito, que seu silêncio harmonioso
jamais seria quebrado e que todas as senhoras da cidade tinham como principal
atividade fazer frivoleté.
Em maio deste ano, 2012, fomos comemorar os noventa anos do
tio Evaldo, e encontrei lá os Mercer da minha geração, a convite dos Mercer
Gonçalves, que são meus primos. Conversa vai, conversa vem, alguém contou que a
Farmácia Mercer completa neste ano seu primeiro centenário de atividade, sempre com a mesma família. O
Sr. Leopoldo Mercer, patriarca deste
ramo, foi o primeiro, e além de farmacêutico, seguiu a carreira política; foi
sucedido por seu filho Dr. Douglas, de quem me lembro, e que faleceu novo,
deixando a responsabilidade de continuar a farmácia com sua viúva, Sra.
Querubina, de quem eu me lembrava e que tive o prazer de reencontrar. Seu filho
Dr. Luis Tadeu, que me deu mais detalhes
da farmácia para este texto, é o atual
titular, e criou um laboratório de Análises Clínicas na cidade.Ele já prepara a
sucessão, para seu filho Dr. Luís Felipe.
Ao voltar para São Paulo, no exemplar de maio do Aeroporto
Jornal, achei uma reportagem que informa que Tibagi tem cerca de 270 anos de
fundação, 140 de emancipação política
(mais ou menos quando a família Mercer mudou-se para lá), que surgiu da
atividade de garimpo de diamante, e que sua história se materializa através de 2 Museus. Além disso, desde 1992
cultiva o turismo, no seu Parque Estadual do Guartelá, onde está parte do
canyon do rio Iapó, sexto maior do mundo
em extensão . Além disso, apresenta pinturas rupestres feitas pelos
Caingangues, etnia indígena que habitava o local.
Certamente a
Tibagi de hoje não é tão pequena e silenciosa como a que eu conheci. Cresceu,
tem novos ares, é cidade turística. Hoje ninguém estuda latim, suponho que
ninguém mais faz frivoleté, e imagino que mesmo as cidades do interior sejam
sonorizadas a ponto de não haver mais silêncio que se preze em lugar algum.
Mas, sem em Tibagi existe uma coisa tão rara quanto uma
família que se dedica há cem anos a manter a tradição, pode ser que lá se
encontre ainda um refúgio de sossego e tranquilidade, coisas que os grandes
centros perderam e talvez não recuperem jamais.
Um comentário:
Lindo! Como é bom ler textos assim, sem malícia, sem maldade, com sabor de poesia... A Farmácia Mercer pra mim é lembrança de festa, dos exageros da vida... de comprar um engov no dia seguinte do carnaval, de comprar um antigripal numa noite de inverno... E de me juntar com os amigos Angélica, Sônia, Vera e Paulão nas noites de folia.
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