CHIQUINHA
GONZAGA E ERNESTO
NAZARETH
A HARMONIA EM UM ENCONTRO DE PERSONALIDADES OPOSTAS
Embora muito diferentes em seus aspectos biográficos,
Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935), a CHIQUINHA GONZAGA e Ernesto Julio de Nazareth, o NAZARETH (1863-1934)
apresentam muitas semelhanças no que diz respeito ao aspecto mais importante do que deixaram:
sua música.
Compondo primordialmente para a camada intermediária da
burguesia,na época uma classe média emergente, cultivadora do piano e dos
saraus familiares, Nazareth, que cultuava a música de Chopin e sonhava em ser
um virtuose do piano, compõe valsas inspiradíssimas e tangos buliçosos. O
acabamento formal do que escreve revela, todavia, um conhecimento bem acentuado
da música dos conjuntos populares, os chorões, onde aparecem com frequência os
repiques dos cavaquinhos, os solos plangentes do violão, enfim, ele estiliza
com primor os recursos desses instrumentos.
Chiquinha Gonzaga, todavia, voltou-se para o teatro e
colocou sua inspiração na música programática de peças leves, sobretudo do
teatro de revista, gênero sempre de passagem, já que voltado para o aqui-agora
da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império e depois da República.
Mas esta escolha colocou-a frente à música cantada, de modo que muito do que
ela compôs tem ou teve letra em algum momento,
às vezes até mais de uma letra e até
paródias muito maliciosas. Isto não impediu que as músicas fossem tocadas ao piano ou em conjuntos, como acontece com o
célebre “Abre alas”, que tem uma letra original, uma variante que se tornou
célebre e a versão só instrumental que é sempre ouvida, sobretudo no Carnaval.
CONTEMPORANEIDADE
Chiquinha Gonzaga era pouco mais de quinze anos mais velha
que Nazareth; ele nasceu em março de 1863, em novembro do mesmo ano ela se
casou. Quando ele compõe a primeira música editada, a polca “Cruz, perigo!”, em
1879, o teatro de revista, nos moldes do vaudeville, era apenas iniciado,
através da criação de Arthur de Azevedo, “O
Rio de Janeiro em 1877”. E Chiquinha já atuava como o pianista e
compositora, depois do naufrágio de seu segundo casamento, com João Batista de
Carvalho. Em trinta anos, ela se profissionalizou, aprendeu a escrever para
orquestra, tornou-se famosa e assumiu lutas em prol da própria categoria.Em
1917, enquanto o SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) tomava forma,
por esforço sobretudo de Chiquinha Gonzaga, Nazareth perde a filha Maria de
Lourdes. Uma luta pela categoria, outro sofre uma perda pessoal.
Com o advento da gravação, tanto Chiquinha Gonzaga como
Ernesto Nazareth interpretam suas obras para os microfones dos aparelhos de
época, no início do século XX, o que serve de referência para quem deseja
conhecer-lhes a interpretação.
Não apenas os sistemas de gravação, mas outros inventos que
a tecnologia tornou possíveis e que hoje continuam sendo usados, muito
aperfeiçoados, estão temporalmente inseridos em suas vidas: o automóvel,
chamado “engenho” em seus primórdios, o telefone, o avião, a produção de máquinas de escrever
em escala industrial, o sistema periódico de elementos, a descoberta e
exploração do petróleo, a iluminação a gás e depois a iluminação elétrica...Fatos
históricos relevantes, como a Guerra do Paraguai e a guerra de Secessão, nos
Estados Unidos, na década de 1860,a
Primeira Guerra Mundial... E, coisas menos sérias:os bailes
carnavalescos em salões, que surgiram em 1847, ano do nascimento de Chiquinha,
o confete, introduzido pela também compositora e empresária Viúva Guerreiro...
O MERECIDO
RECONHECIMENTO
Um aspecto que marca
a semelhança entre os dois está o reconhecimento que obtiveram, ainda em vida, de nomes como Francisco Braga (1868 -1945), que escreveu carta no dia 17 de
outubro de 1925, data em que Chiquinha foi homenageada:”Estarei em espírito,
ahi, associando-me com muito enthusiasmo às manifestações que vaes receber,
batendo palmas bem quentes, bem estrepitosas, cada vez que uma sentida
cantilena brasileira da lavra da grande Chiquinha vibrar nesse ambiente culto
de artistas da palavra e do som”. Já Nazareth
obteve reconhecimento de Alberto Nepomuceno(1864 -1920), que o convidou
para apresentar-se nos Concertos Sinfônicos da Exposição Nacional em
comemoração ao centenário de Abertura dos Portos (1808-1908), e o levou a
apresentar-se no Instituto Nacional de Música, no qual acompanhou ao piano o
violoncelista Heitor Villa-Lobos (1887-1959).Em 1922,homenageia Villa-Lobos
dedicando-lhe seu Improviso, e este
dedica-lhe seu Choro nr 1, para violão.
Entretanto, ambos ficam por muito tempo fora das salas de concerto,
apesar do reconhecimento dedicado a cada
um (em diferentes ocasiões) pelo grande musicógrafo Mário de Andrade
(1893-1945). Não ficaram, entretanto, esquecidos pelos chorões e outros grupos
populares cultivadores da música brasileira. A pianista Carolina Cardoso de
Menezes (19 -2000) durante muitos anos
manteve programa na Rádio Nacional do Rio de Janeiro cujo tema de introdução
era o Brejeiro, de Nazareth. Mas, nas novas gerações, só em 1963 – centenário
de nascimento de Ernesto Nazareth - o choro volta ao piano, com a gravação, por
Eudóxia de Barros, do LP Ouro sobre Azul, com músicas desse compositor. A obra
de Chiquinha Gonzaga, nunca de todo abandonada, voltou a ser ouvida na década
de 1980 através da gravação de vários intérpretes no LP Evocação nr 2, do Selo
Eldorado.
A aproximação dos inegáveis méritos de ambos ainda
recentemente ficou evidenciada pela revisão e colocação das partituras de
ambos, quase que simultaneamente, cada qual em seu próprio site, pelo Instituto
Moreira Salles, que assim disponibiliza o acesso às suas obras.
De lá para cá, nestes 50 anos, o choro foi sendo
gradativamente reconhecido pelos pianistas e hoje é interpretado por inúmeros
instrumentistas virtuoses que apreciam as origens da legítima música brasileira
urbana.
NOSSO RECITAL COM OBRAS DE CHIQUINHA GONZAGA E ERNESTO
NAZARETH
Ao somar os dois compositores, nenhum deles perde, e ambos
ganham muito, pois são ambos inspirados, originais, brilhantes. Mesclar o
repertório com obras de um e outro salienta o talento de ambos. Por isso, nesta
apresentação de 14 peças de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, arranjadas
para piano a 4 mãos de modo a ressaltar
seu caráter pianístico e ao mesmo tempo acrescentá-las de recursos dos
conjuntos instrumentais de choro, fizemos o programa em uma ordem que obedece
apenas à sequência do que entendemos ser mais bonito e mais agradável a quem
ouve, sem qualquer intenção didática ou separação por autor.
Alternamos peças conhecidas com peças menos ouvidas, de modo
a trazer a público, pelo chamariz do sucesso, músicas que merecem ser
conhecidas e por acaso não são. Por vezes, mantemos o andamento muito brilhante
que pianistas virtuoses adotaram,
e, por outras vezes, interpretamos pelo andamento menos brilhante,
mas que é o indicado ou até gravado pelo próprio compositor.
Apenas a peça que fecha o programa recebe tratamento diferenciado: o Corta-jaca –
Gaúcho – Cá e lá, de Chiquinha Gonzaga, tem um arranjo que se aproxima de uma
pequena fantasia. Esta é a música com a qual a maestrina, que recebeu o título
“Alma Cantante do Brasil” encerrava suas apresentações.
Um comentário:
eu tinha recebido por email o convite para essa apresentação. gosto muito de chiquinha gonzaga e de ernesto nazareth. o link onde falo de uma composição sua no meu blog é http://mataharie007.blogspot.com.br/2012/07/recital-de-clarineta-e-piano.html
beijos, pedrita
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