É bem adequado comemorar o Dia Internacional da Mulher falando de uma grande poetisa nascida justamente nesta data: 8 de março. De 1892.
É o caso de Juana de Ibarbourou,
poetisa uruguaia de reconhecimento internacional, que em 2014 completa 35 anos
de seu passamento.
Seria maravilhoso falar dela
através de sua poesia. Poder trazer e até traduzir muito da poderosa beleza que
ela transmitiu em seus versos. Apesar de que seria bem difícil escolher um,
dois ou mais poemas, que a representassem em sua fulgurante
alegria de viver, tantos e tão bons são todos eles.
Mas mudei meu enfoque, pelo menos
por ora. Sou obrigada, diante do que tenho lido e ouvido, da boca e da pena de seus
compatriotas, a questionar os valores em que se embasam seus detratores –
valores que não são os de pura análise
e/ou conhecimento literário, mas valores embasados em julgamentos morais.
E o mais lamentável
é que as alegações em que se baseiam não têm grande peso e nenhum
significado. Fábrica de alas (Fábrica de asas) é um texto de 15 páginas (137 a
152), em cópia Xerox, possivelmente de um dicionário, que recebi de um uruguaio
que não se conformou com meu entusiasmo diante da poesia maravilhosa de Juana.
Com este texto, e falando mal dela, realiza a tentativa de um desmonte de sua
personalidade, pondo diante de lentes de aumento seus defeitos. Defeitos que,
diga-se de passagem, não vão muito além do que temos relatado de outras poetas e musicistas, e até de pessoas comuns,
como a invariável tentativa de esconder a idade, ou a reclusão, quando os anos
vão chegando.
Extraído do Archivo Literario de
La Biblioteca Nacional, Colección Juana
de Ibarbourou, os dados utilizados por S. R. (prefiro não citar por extenso o
nome da autora do texto) são sutilmente manipulados de modo a colocar em
destaque sua vaidade feminina: a própria capa é uma foto de 1930, quando já era
reconhecida como Poeta das Américas. O reconhecimento foi no ano de 1929. Nesta foto, ela apagou o
próprio rosto, e escreveu:” Em mi escritório de La casa Calle Comercio nº 318.
Ano 1930. La cara quedo muy mal, pero el vestido es precioso”. Ao expor um
rosto sem fisionomia, o sutil veneno que permeia todo o texto já começa a
escorrer e a tentar corroer o que deveria ser uma biografia mais isenta. Para a
qual, inclusive, nem há bibliografia. E
a primeira coisa que sugere, para mim, pelo menos, é que uma pessoa nunca deve
biografar alguém a quem detesta com tanta veemência.
Entretanto, a poesia de Juana de
Ibarbourou continua a correr mundo como uma das vozes mais brilhantes e
representativas da poesia américo-hispânica. Dela disse em 1964 Carmen Conde,
poeta e crítica espanhola e estudiosa das americanas de língua espanhola:”Juana
é a representação lírica da linguagem do amor, da radiante felicidade do corpo
enamorado, da assombrosa glória do espírito em amor total”. Ou seja, de uma
modernidade sem igual. Lembremo-nos que só agora as mulheres podem exercer e
cantar o próprio amor carnal, o que, na juventude da poetisa, nem era
aceitável, ou começava a sê-lo.
Entretanto, tanta energia
positiva e tanto reconhecimento não merecem de alguns de seus compatriotas o
louvor que ela merece. E creio que se pode explicar esta atitude, de uma forma,
no momento, apenas impressionista. São as oposições em que nos colocamos no dia
a dia, no decorrer, às vezes, de toda a vida. Em relação ao público e ao
privado, dilema em que oscilam tantos gestos, e para muitas pessoas uma
oposição tão difícil de distinguir. Por outro lado, outro dilema, no qual é
preciso estar atento, pela presença tão constante na política, a oposição entre o que é direito civil, de
pessoas em exercício de sua cidadania, garantido por um estado laico – no
Brasil, desde a Proclamação da República -- mas que representantes de grupos
religiosos teimam em confundir com os dogmas de suas próprias crenças. Um
exemplo claro é o casamento entre homossexuais e a própria defesa, em
desconsideração com a ciência e com os estudiosos isentos do assunto, da
chamada “cura gay”.
Em Juana de Ibarbourou não
encontram seus detratores nenhum caso escandaloso a apontar, nenhum embuste
financeiro, nada, enfim, que a desabonasse como pessoa em seus 87 anos de
existência. É a pura e simples manipulação em favor de uma outra poetisa
uruguaia, também boa poetisa, mas que não tem o mesmo ímpeto criador, uma
pessoa sofrida e resignada, solitária e triste:
Maria Eugenia Vaz Ferreira (1875-1924). Em sequência à biografia de
Juana de Ibarbourou, veio outra do mesmo livro, de R.S., um pouco maior (p. 197
a 221), esta sim, com bibliografia respeitável.
Como já me foi dito pessoalmente,
e mais de uma vez, eu deveria gostar mais de Maria Eugenia (como poeta) porque
ela era uma pessoa melhor. Lembro-me de, uma vez, e em presença de uma amiga,
ter respondido que não fazia julgamento de valores morais, que isto está fora
do âmbito de meus interesses. Se um poeta, romancista, pintor ou músico é um
verdadeiro artista, isto é que realmente pesa no julgamento de sua obra. A
oposição qualidade artística/qualidade moral é despropositada.
O que me parece mais triste, mas
é oportuno lembrar, neste momento em que
celebramos as conquistas das mulheres, é que talvez esse tipo de atitude seja
mais comum do que parece. O que nos dá o direito de colocar em dúvida os
critérios de avaliação literária, artística ou musical, em muitas
circunstâncias em que não podemos conhecer a obra em si.
E é mais triste ainda pensar que
louvar “virtudes”, para muitas pessoas, é mais importante que louvar “ talentos”. É uma pena, porque as
virtudes vivem e morrem com as pessoas;
o talento, desde que possa vir a público, e receber o necessário
reconhecimento, passa incorporar a cultura e a história de uma época.
Um comentário:
é muito triste que as mulheres continuem desconhecidas mesmo tão talentosas. e tenho muita vergonha de não conhecer os poemas dessa uruguaia. excelente texto. beijos, pedrita
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