quarta-feira, 21 de julho de 2010

ANIVERSÁRIO DE LONDRINA

Uma história em dois tempos

PRIMEIRO TEMPO

Nos meus 12, 13 anos, passei um certo tempo fazendo leituras regulares de uma partitura que estava sendo escrita. E foi assim: o compositor, que era meu professor de piano, ia até minha casa, colocava a música no piano, sentava-se no sofá, no fundo da sala. E pedia que eu tocasse. Depois, pedia que eu repetisse. Levantava-se, ia até o piano, corrigia algumas notas, ou cortava um trecho, sentava-se no sofá novamente e eu relia o trecho corrigido.

Um dia, não sei se foi porque perguntei, ele me disse que ia participar de um concurso. E me mostrou o poema que estava colocando em música. Depois, providenciou uma cópia para mim.

O tempo passou. Com certeza, foi pouco tempo. E não mais trabalhamos aquela partitura.

Mas não demorou muito e ele nos comunicou, lá em casa, que havia sido premiado. E estava muito, muito feliz.

A música era o Hino a Londrina, premiado em um concurso que comemorou os 25 anos da cidade. O compositor, o Maestro Andrea Nuzzi (1901-1974), napolitano que, depois de viver cerca de 30 anos em Buenos Aires, com sua esposa, também italiana, a cantora lírica e professora de canto Sra. Ermi D’Aprile (pseudônimo), veio para o Brasil e se radicou em Cambé, cidade vizinha de Londrina.

Cambé – a cidade onde nasci.

No dia das comemorações do aniversário ele me convidou, e deixou que eu levasse 2 amigas, para a estréia do Hino, cantando em um grande Coral, na Concha Acústica de Londrina.

Foi um grande evento. E o Hino a Londrina foi oficializado na data da estréia.

SEGUNDO TEMPO

Logo depois, mudei com minha família para Campinas, onde me formei em piano e comecei a carreira de jornalista.

No início dos anos 70, mudei para São Paulo. Em 1977, deixei o jornalismo e comecei a trabalhar com música, justamente em dois acervos de partituras de unidades da Secretaria Municipal de Cultura. Primeiro, na Discoteca Pública Municipal, hoje chamada Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo. Mais tarde, no Arquivo de Partituras do Teatro Municipal de São Paulo.

Em 1987 publiquei o livro Mulheres Compositoras, que me abriu muitas portas e me aproximou de gente simpática, inteligente e talentosa.

No ano passado, depois de muita troca de idéias, de livros e de materiais com uma dessas pessoas – a pianista Eliana Monteiro da Silva, que trabalhou vida e obra de Clara Schumann, pianista e compositora reconhecida internacionalmente – ela veio nos visitar, e comemoramos sua obtenção do título de Mestre pela USP.

Na hora do chá, falei alguma coisa de Londrina, e ela comentou que, quando o avô materno ainda estava vivo, ia sempre lá passar as férias. E, quando disse o nome do avô, eu o reconheci: era o poeta da letra do Hino a Londrina.

Foi muito emocionante, neste mundo que é tão grande e tão pequeno, encontrar a neta do poeta cujas palavras memorizei (embora com alguns lapsos) e cuja sonoridade, com notas do hino, convivem comigo. Às vezes, percebo que estou cantarolando: “Londrina, cidade de braços abertos / a todos os filhos do nosso Brasil / e a todos aqueles / de pátrias distantes / que aqui confiantes / sob um pálio anil / seu lar construíram / e aos filhos se uniram / do nosso Brasil...”

Só agora me dou conta que a lembrança dessa música, desses momentos, atravessaram cinqüenta anos da minha vida, me alegrando e emocionando, evocando meus primeiros anos, que são também os primeiros anos de muitas cidades. Evocando a epopéia de uma marcha para o Oeste, de muitos sonhos e muitas realizações, na criação de um de seus núcleos principais: a cidade de Londrina, grande capital regional do Norte do Paraná.
Estou feliz por ter estado lá, naquele tempo, naquelas horas, naquele momento solene.
E só posso dizer: “Parabéns, Londrina!”

São Paulo, 2 de junho de 2010

ONEYDA ALVARENGA E SEUS POEMAS QUE FORAM MUSICADOS

O nome de Oneyda Alvarenga está ligado ao folclore, à Discoteca Pública Municipal e à amizade com Mário de Andrade. Tão ligado que sua obra poética fica sempre em segundo plano. Nem por isso seus contemporâneos deixavam de lembrá-la como a poetisa de A menina boba; e seus poemas desse livro foram musicados por compositores de alto nível e em proporção considerável, para quem produziu relativamente pouco em termos de poesia.

O que ela havia sonhado, antes de entrar para o Departamento de Cultura, era um emprego que a deixasse “estudar, poetar, escrever sobre literatura e música”, como confessa no Prefácio das Cartas entre ela e Mário de Andrade, editadas em 1983. Mas o rumo de sua vida, e principalmente a inteireza da dedicação com que se atirou ao trabalho da Discoteca Pública Municipal – que, em homenagem mais que merecida, hoje se chama Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo – levaram a poesia para outro plano, e ela morreu com um único livro publicado: A menina boba, São Paulo, E. C. Revista dos Tribunais, 1938. Edição de 200 exemplares.
Antes deste livro, Oneyda havia escrito Canções perdidas, e a esse trabalho se refere na apresentação das Cartas: ”(...) Em brevíssimo tempo, Mário me telefonou para me dizer que gostara dos meus versos e precisava falar comigo sobre o livro, na minha próxima aula em casa dele (...) Em toda a minha vida jamais aconteceu outro dia miraculoso feito aquele, em que o juízo de alguém admirado e respeitado intelectualmente ao máximo, me garantiu que eu era poeta. Essa garantia se converteu imediatamente numa coisa ainda mais bela e profunda: pela única e gloriosa vez, senti agudamente que eu era”.

Esse mesmo modo simples e despojado de narrar um sentimento forte, vivido cerca de cinqüenta anos antes da publicação das Cartas, é o que caracteriza A menina boba. Dividido em oito partes (que chamarei séries) – “A menina boba”, “Brusca andorinha”, “Verso e prosa”, “Asa ferida”, “A menina exausta”, “Domaram-te, andorinha!”, “Noturnos” e “A menina insolúvel”, é uma obra relativamente pequena: 62 poemas, todos curtos. A maior parte tem cinco versos e o maior poema tem apenas vinte e um. Todos são de métrica livre e com rimas brancas; modernistas, portanto. Escritos sempre em primeira pessoa, mas variando os temas, a tônica dos poemas é a sensorialidade, uma sensorialidade de viver e sentir a vida.

Em sua atividade literária, Oneyda Alvarenga foi apoiada por Mário de Andrade e por Manuel Bandeira, e dedica o livro a ambos. O poeta pernambucano, embora em menor escala que Mario de Andrade, teve importância em sua atividade poética, providenciando a publicação, em periódicos e antologias, de outros poemas que não os do livro.

OS POEMAS MUSICADOS

Talvez a proximidade para com os compositores, permitida e até mesmo forçada por seu trabalho na Discoteca, que em seus primeiros anos realizava gravações, tenha facilitado aos músicos o acesso aos poemas de A menina boba. Mas não foram apenas os que estiveram ligados aos primórdios do Departamento de Cultura que se interessaram pelo livro. Ao todo, consegui relacionar Camargo Guarnieri, Francisco Mignone e Clorinda Rosato, do grupo que teve obras gravadas pela Discoteca, e Cláudio Santoro, Hans-Joachim Koellreuter e Everett Helm, que não tiveram essa ligação. Note-se que, dirigindo a Discoteca Pública Municipal e lutando por mais de vinte anos para executar na íntegra o projeto inicial do Departamento de Cultura, Oneyda Alvarenga foi o agente mais imediato do projeto musical nacionalista de Mário de Andrade, mas foi “adotada”, como poeta, por compositores de tendência radicalmente oposta. Isto, em uma época em que a polêmica nacionalismo versus universalismo era acirrada entre os músicos, e os grupos se dividiam com paixão e veemência.

AS OBRAS SERIAIS

Cláudio Santoro e Hans-Joachim Koellreuter estavam na “oposição”, criando música de acordo com as tendências européias da época, música serial ou dodecafônica, criada pela chamada Escola de Viena, de cuja técnica Koellreuter foi o introdutor no Brasil.

Hans-Joachim Koellreuter, músico alemão, veio para o Brasil em 1937, em plena efervescência do Departamento de Cultura e do projeto nacionalista de Mário de Andrade. A bagagem cultural trazida da Alemanha permitiu-lhe implantar, no Brasil, um projeto estético voltado para as técnicas de composição em vigência na Europa, entre as quais o serialismo. Compôs, em 1943, Poema, para voz média e piano, (o VIII de “A menina insolúvel”), onde desenvolve, em apenas 14 compassos, com cerca de 45´ de duração, uma obra ritmicamente bem variada. Em 1945 compôs os Noturnos para voz média e quarteto de cordas que, segundo um programa encontrado dentro da partitura de Poema (material da Coleção Oneyda Alvarenga), foram apresentados na Alemanha no dia 28.10.1948, tendo como intérpretes Gerda Fritz, contralto, Ottomar Voigt e Anton Teichert, violinos, Fritz Roth, viola e Wilhelm Ratze, violoncelo.

Editados pela Editorial Cooperativa Interamericana de Compositores em 1947, publicação nr. 59, em redução para voz e piano, os também miniaturais Noturnos são ritmicamente mais regulares, mas têm textura mais elaborada que o Poema. Em A menina boba, a série tem esse mesmo nome, mas consta de mais um poema não musicado, e tem originalmente ordem diferente.

Cláudio Santoro, amazonense, na época da publicação dos poemas de Oneyda, era um jovem professor de violino que começava a dedicar-se à composição. Iniciado na música serial por Koellreuter, com quem formou o Grupo Música Viva, adotou esta técnica para compor em 1944 a canção A menina exausta nr. XII, com a qual obteve em 1945 o Primeiro Prêmio Ernesto Dornelles, em concurso da Associação Riograndense de Música. Esta peça foi publicada em 1946 pela Editorial Cooperativa Interamericana de Compositores, publicação nr. 43, junto com a de nr. IV da Série “Asa ferida”. As duas canções, em fac-símile da publicação nr. 43 e mais duas canções, A menina exausta nr. I e nr. II, foram publicadas em meados dos anos 80 na Alemanha, com versão do texto em alemão por O. B. Claren. O Catálogo de Compositores do MEC indica ainda outra canção escrita sobre versos de Oneyda, A menina exausta nr. III, composta em 1944. Indica também que as canções, das quais tivemos acesso às partituras (aqui relacionadas e integrantes do Acervo Oneyda Alvarenga) foram gravadas em 1982 para a RBM –Mannhein, por Carmen Wintermayer, acompanhada pelo pianista Frederic Capon.

AS OBRAS NACIONALISTAS

De acordo com o Catálogo de Obras de Compositores Brasileiros, editado pelo MEC, Camargo Guarnieri compôs, sobre versos de Oneyda, Dois Poemas: Eu te esperei na hora silenciosa e Vieste enrolado no perfume dos manacás. Escritos para voz média e piano, são datados de 1942, mas em novembro de 1977, data da edição do Catálogo do compositor, ainda se achavam em manuscrito. A Enciclopédia da Música Brasileira, Edição de 1998, menciona as obras, mas não menciona a autoria do texto.
Francisco Mignone compôs A menina boba em 1939 (seu Catálogo não indica quais são os poemas), cuja estréia se deu no dia 3 de julho de 1944, na Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro, por Alice Ribeiro, S, acompanhada ao piano pelo autor. Mignone escreveu em 1960, Seis canções, para coro SATB, também sem indicação dos poemas.

A terceira representante do grupo nacionalista, Clorinda Rosato, foi a menos conhecida entre os três, e abandonou a atividade de compositora cerca de 30 anos antes de falecer, o que se deu em 1985. Em setembro de 1981 deu um recital de suas próprias obras pianísticas para a então Divisão de Discoteca e Biblioteca de Música do IDART (ou seja, a própria Discoteca Pública Municipal, em outra estrutura administrativa e com o nome anterior ao atual). Clorinda musicou um poema de A menina boba em 1943, e talvez até o tenha esquecido, pois a pequena canção não consta da relação de obras publicada em seu verbete na Enciclopédia Brasileira de Música, nem da relação de obras feitas por ela mesma, para a Divisão mencionada. Consultamos o original, de seu próprio punho, que se encontra na Coleção Oneyda Alvarenga. A canção, para voz média, com acompanhamento de piano, é uma verdadeira miniatura, de harmonia simples e muito delicada: dura pouco mais de um minuto (cerca de 75 a 80 segundos). O poema é o IV da Série A menina exausta.

Os poemas não foram aproveitados apenas para canto, mas também como fonte de inspiração: em 1943, Francisco Mignone publicou uma peça para piano, dedicada a Oneyda Alvarenga, intitulada Doçura de manhãzinha fresca, ou seja, os primeiros versos do poema X da série A menina boba.

UMA OBRA À PARTE

O americano Everett Helm, que estudou com Malipiero e Vaughn Williams, esteve no Brasil em 1945, conforme notícia da revista Brasil Musical nr. 9. Musicólogo e compositor, teve uma obra apresentada durante sua estada no Rio de Janeiro pelo Quarteto Borghert. Não sabemos como teria travado conhecimento com a obra de Oneyda Alvarenga, mas musicou os poemas nr. III de Asa ferida, nr. VII de Domaram-te, Andorinha e nr. IV A menina boba. Em uma das duas cópias heliográficas das músicas, constantes da Coleção Oneyda Alvarenga, há um cartão pessoal do compositor, com os dizeres manuscritos: “Here is the result. I like the poems very much. I hope you Will like the music. With cordial greetings”.

Para concluir: é uma pena que canções compostas em um passado relativamente próximo, como estas, estejam fora do repertório de nossos intérpretes. Pessoalmente, ouvi uma única vez, em 1974, no MASP, os Noturnos de Koellreuter, na bela interpretação de Ula Wolff.