segunda-feira, 25 de outubro de 2010

CAPITÃES DO ASFALTO

Estava prevista para setembro último a estréia do filme Capitães da Areia, mas não está anunciada ainda. O filme se baseia no livro homônimo de Jorge Amado, livro este que foi adotado como leitura obrigatória, em décadas passadas, em algumas escolas de São Paulo.

Escrito em 1937, Capitães da Areia coincide com a criação do ensino escolar obrigatório e, naturalmente, narra a vida e as desventuras de meninos em situação de rua na cidade de Salvador, Bahia, sob a liderança de Pedro Bala, triste, mas verdadeiro, herói mirim.

Setenta e três anos correspondem a três gerações. Em todo este tempo, o analfabetismo não foi erradicado no Brasil, o trabalho infantil não foi erradicado no Brasil, a pedofilia só recentemente foi denunciada e todas as iniciativas em prol do estabelecimento de dignidade e respeito com a infância foram e continuam sendo solapadas sistematicamente. Às vezes, pelo poder público (lembram dos CIEPS do Rio de Janeiro e dos CEUS de São Paulo?); às vezes pela própria população, que tem pela criança abandonada uma atitude não só de desprezo, mas de franca hostilidade.

É o que acontece na São Paulo de hoje. Desestabilizada por uma suposta ação de valorização imobiliária da região chamada “cracolândia”, sua população de rua espalhou-se pelo Centro da cidade, criando uma legião de adultos e crianças maltrapilhos, vagando sem destino e, como era de se esperar, assustando e assaltando moradores e transeuntes.

A atuação e as atividades das crianças nessa situação lembram muito as de Pedro Bala e seus amigos, só que eles não estão nas belas praias de Salvador, mas no duro e cinzento asfalto de São Paulo.

É impossível, em tempos de eleição, deixar de perceber que famílias de políticos se perpetuam no poder. Os pais e “padrinhos” preparam desde cedo os filhos e “afilhados” para o exercício da política, ensinando-lhes todos os truques, todos os recursos do vazio retórico, todas as artimanhas de que se valem os donos do poder para cuidar de si mesmos e nem lembrar para que foram eleitos.
Também os pais dos meninos de rua, sejam capitães da areia ou capitães do asfalto, se perpetuam no analfabetismo, na miséria, na violência, e assim, quando ainda têm casa, colocam os filhos para fora dela.

São duas linhas paralelas: a pobreza endêmica e a politicagem hereditária. É um triste paralelo. Mas, sem dúvida, uma relação de causa e efeito muito visível, muito clara.

Cumpram os engravatados senhores metade de suas obrigações de legisladores ou executivos, e as duas linhas começarão a se aproximar, deixando de ser paralelas e juntando-se numa só, na qual se poderá apor a denominação de CIDADANIA.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

SER OU NÃO SER ... ANALFABETO

A manobra que vem sendo empreendida contra o candidato eleito Tiririca, que visa questionar suas condições de exercer o mandato de deputado federal, já que ele seria “analfabeto”, é antiética e profundamente imoral.

Lembremos o ator e escritor Plínio Marcos, já falecido, que, invectivado por Pagu, que o chamou de analfabeto, respondeu: “Como se isso fosse privilégio neste país!”

Sou apenas Bacharel em Língua Portuguesa, e não Licenciada. Por isso, nunca lecionei, e sempre usei o conhecimento adquirido na Universidade para melhorar minha atividade de jornalista e de escritora. Mas em certa ocasião tive uma experiência que vale à pena narrar: nos anos 70, fui redatora de uma publicação chamada Enciclopédia dos Municípios. O editor desta enciclopédia era o Sr. Álvaro Abujamra, e a sede da editora era na Rua Adolfo Gordo, quase esquina com a Alameda Eduardo Prado.

O material que editávamos era fornecido pelas próprias Prefeituras, que preenchiam um questionário e mandavam fotos de suas cidades, no interior de São Paulo. Certos questionários eram preenchidos à mão, pois não só na Prefeitura como na cidade inteira, não havia uma só máquina de escrever... A caligrafia de muitos deles não diferia daquela da prova a que foi submetido o candidato eleito Tiririca. Eu encontrava entraves diários na leitura dos questionários, para fazer o texto final, tão deficiente era a maneira como estavam preenchidos. E já são mais de trinta anos que isso aconteceu!

Bem mais recente que minha experiência nessa Enciclopédia, a eleição de Baratão para Vereador,em São Paulo, demonstrou que prova de escolaridade nunca foi exigência.

Tiririca incomodou porque obteve uma vitória esmagadora. Mas se era essencial apresentar um diploma, isto devia ter sido solicitado antes. A propósito, em que letra constitucional ou jurídica se baseia a alegação dos que o condenam, mas que, antes dele, nunca questionaram nenhum outro candidato? E tem mais: se Tiririca for “cassado”, a corja que ele carrega com seus votos deve ser igualmente defenestrada!

A obrigatoriedade da alfabetização no Brasil vem da 7ª. Constituição, de 1937. Nestes 73 anos, pouco se fez para que essa fosse uma alfabetização efetiva, “de verdade”... ou não teríamos um contingente de alfabetizados cuja precariedade é visível.

Um exemplo da intenção de manutenção dessa precariedade vem da “aprovação obrigatória”, criada pelo PSDB, na rede pública do Estado de São Paulo. Os alunos aprovados sem condições, através dessa cínica situação, verdadeira falsidade ideológica, é que deveriam ser submetidos a testes. Para avaliar a profundidade do dano que isto certamente causou a seu futuro.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

BOATEIROS, HERDEIROS DE IAGO

Não é uma profissão, mas é um exercício quase profissional em sua constância, coerência e oportunismo. Afinal, quem é um “boateiro”? Graças a Deus, não conheço nenhum pessoalmente, mas pela pegada se conhece o gigante – ou no caso, se conhece o pobre e mesquinho boateiro. Aquele, na falta de dados concretos, na falta de capacidade de análise dos fatos, no desejo doentio de fazer prevalecer sua opinião ou até, como às vezes parece, por pura inveja do sucesso alheio, observa bem a sombra de seu alvo e, incapaz de lutar com armas limpas, cria uma inverdade sobre ele.

O Boateiro, esse tipo desprezível, sabe como inventar uma história que soe plausível aos que, como ele, têm pouca capacidade de análise dos fatos. Sorrateiro, ele sabe a hora certa de soltar a mentirinha, de apenas sugerir, de dar a entender que tem acesso a fontes fidedignas e sobretudo ele sabe a quem soltar seu boato, como quem solta um balão em céu de brigadeiro.

Para quem não conhece ópera, cabe um esclarecimento: Iago é um personagem de Shakespeare, na peça Otelo, que se tornou mais conhecida depois de ser musicada e colocada em cena com música de G. Verdi. Ele cria a suspeita de traição da esposa de Otelo, Desdêmona, rodeando essa suspeita de pequenos detalhes que fazem-na parecer verdade, inclusive o lenço, que seria uma prova cabal mas que é apenas o elemento físico de sua intriga.

Na política brasileira, os Iagos têm caixa e caixas de lenços com o mesmo boato, que distribuem de tempos em tempos, sem originalidade e absolutamente sem fundamento: o de que este ou aquele político ou candidato é comunista.

Como nossa população é em geral ingênua e quase sempre despreparada, o lenço, digo, o boato, cai direitinho. A última vítima é Dilma Rousseff, que aliás tem trajetória idêntica à de Serra, em termos de ideologia juvenil. Até onde sabemos, ela ficou no Brasil, enquanto o candidato oponente fugiu para o Chile, onde Salvador Allende tentava seguir as pegadas de Fidel Castro em Cuba.

Tudo isso aconteceu há muito tempo, e mesmo assim as pessoas não somam dois com dois para perceber algumas coisas que caracterizam o Comunismo. Vamos recapitular: o primeiro regime comunista constituído apareceu na Rússia, em um momento que não se parece em nada com os dias de hoje; era o fim da 1ª. Guerra Mundial. O segundo apareceu na China, em 1947; isto é, no fim da 2ª. Guerra Mundial. Os outros dois são Cuba, o mais duradouro, agora se esvaindo como uma pedra de gelo, e finalmente o do Chile, para onde foi o candidato Serra.

Nos dois primeiros países citados, devido à guerra, havia um exército organizado. E é isso que caracteriza o surgimento de um estado assim – talvez não do ponto de vista sociológico, mas em uma análise de seus aspectos exteriores. O regime comunista, como o nazismo e o fascismo, se baseiam em um exército que, se não é forte de verdade, pelo menos assim se exibe (ver o detalhe da exterioridade). Em documentários sobre o fascismo, o nazismo e o comunismo, vemos sempre desfiles e ditadores uniformizados, que se parecem tanto que, se não fossem os símbolos facho, suástica e foice-e-martelo, não poderíamos distinguir quem são eles. Os chineses escapam da mesmice por suas feições orientais, mas seu aparato visível é muito igual ao dos outros.

BOATEIROS DE PLANTÃO, respondam seu pestanejar: vocês acham que a Dilma tem cara de quem vai comandar um exército? SEGUIDORES DE BOATEIROS: vocês acham que, em tempos de plena paz (pelo menos entre nós), de tanto samba, com previsão de Copa do Mundo em fins do mandato, ela vai chegar e declarar uma mudança de regime? IAGOS DE PLANTÃO: mudem o refrão, que este não está afinado.

Ou melhor: disfarcem e saiam de fininho. Vocês não estão agradando!

domingo, 3 de outubro de 2010

ISAÍAS SÁVIO E O VIOLÃO NO BRASIL

O violão chegou ao Brasil através dos portugueses, povo de plangentes guitarras. Por muitos e muitos anos, foi o único som musical a se misturar aos sons da floresta, ou ao som dos trabalhadores, ou ao som das lides do dia a dia, nas modestas casas brasileiras. Instrumento sobretudo popular, tão amado pelo povo, o violão foi, durante muito tempo, discriminado nos salões da aristocracia e da burguesia.

Em 1914, a Primeira Dama do país, Nair de Teffé, esposa do Marechal Hermes da Fonseca, resolveu chocar a sociedade carioca. Que fez ela? Escolheu justamente o violão, esse instrumento tão discriminado, para tocar a peça Corta Jaca, de Chiquinha Gonzaga. A imprensa foi veemente, quase demoliu o Catete! Afinal, não ficava bem a uma senhora de alta categoria social tocar violão, instrumento considerado de vadios e desocupados.

De 1914 para cá, muita água passou por baixo da ponte. O Brasil teve Canhoto, João Pernambuco, Garoto e muitos outros, que se consagraram como grandes intérpretes e grandes compositores de peças violonísticas imortais. Até mesmo Heitor Villa-Lobos, reconhecido internacionalmente, dedicou-se ao violão e criou lindas peças para este instrumento, inclusive os Choros.

CONSAGRANDO O VIOLÃO

Mas, se hoje, este belo e expressivo instrumento conta com a dignidade de uma oficialização, através dos cursos de Conservatórios e de Faculdades, muito disso se deve à figura simpática e competente de Isaías Sávio.

Nascido em Montevidéu no dia 1º. de outubro de 1900, Isaías Sávio revelou-se musicalmente dotado desde cedo, mas só escolheu o violão depois de passar um pouco pelo piano e de fazer estudos teóricos. Tendo encontrado sua verdadeira vocação, a ela se dedicou com afinco, e em breve colheu belos frutos. Em 1912, ainda garoto, compôs Caixinha de Música, até hoje uma das peças de maior sucesso entre os violonistas. Aos quinze anos, estreou como concertista em sua cidade natal. Mais tarde, foi para a Argentina, onde se aperfeiçoou com Miguel Llobet, famoso guitarrista espanhol. De Buenos Aires, onde viveu de 1924 a 1930, veio para o Brasil, terra que o acolheu em um momento muito propício, pois os princípios nacionalistas começavam a dar frutos; assim sendo, o instrumento de legítima preferência do povo brasileiro começava a ser aceito também pela sociedade. Isaías estreou em Porto Alegre em 1931, residiu uns tempos no Rio de Janeiro e de lá veio para São Paulo, onde viveu até falecer, em 1977.

A CONTRIBUIÇÃO DIDÁTICA

De sólida formação erudita, Isaías Sávio não só formou grandes concertistas como também artistas que se dedicaram à música popular. Mas sua grande contribuição para a aceitação plena e para o desenvolvimento do estudo do violão no Brasil foi dada no ano de 1947, quando apresentou ao Diretor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Dr. Carlos A. Gomes Cardim Filho, a proposta da criação da cadeira deste instrumento. Com grande simplicidade, o Mestre observava, entre outras coisas, que ”la guitarra se ha elevado al nivel de los demás instrumentos solistas. Porque hoy posué una literatura propia, digna del mayor interes y estúdio, como tambiém una historia evolutiva juntamente com los demás instrumentos de cuerda”.

A semente estava plantada. E, no ano de 1948, a imprensa paulista noticiava, com grande ênfase, que se realizara em São Paulo a formatura da primeira turma de violão, sendo a primeira graduanda a Sra. Julieta Correa Antunes.

A HERANÇA DE SÁVIO

Em 1963, Isaías Sávio naturalizou-se brasileiro. Em 1965, com grandes festas, comemorou seu Jubileu de Ouro. Participando do Programa comemorativo, nomes que hoje brilham e fazem brilhar o violão: Paulinho Nogueira, Antonio Carlos Guedes Barbosa, Henrique Pinto...Cada qual tem sua técnica, seu modo particular de tocar e ensinar o violão, sua maneira característica de se expressar musicalmente. Mas seu ponto de confluência é o respeito comum ao grande Mestre Isaías Sávio, de quem são herdeiros e continuadores.

(Publicado no jornal NOTAS RICORDI, Informativo de Música, ano I nr 3, Dez 93/Fev 94, P. 1)