quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

TOBIAS BARRETO - A MÚSICA E OS MÚSICOS EM SUA POESIA


Nascido em Campos, Sergipe, no dia 7 de junho de 1839, e falecido em Recife, Pernambuco, aos cinquenta anos, Tobias Barreto foi poeta, iniciando com Castro Alves a poesia condoreira, na qual o poeta bahiano destacou-se e se firmou, restando hoje como a figura proeminente do gênero. 

Tobias Barreto poeta se revela um grande admirador dos músicos, e consta que ele mesmo escrevia poesia e música, da mesma forma que hoje os compositores populares. Entre seus poemas, destacam-se inúmeros sobre músicos, Chopin, Cherubini, Liszt e ... (pasmem!) Arthur Napoleão, que passou para a história da música no Brasil quase que apenas como compositor e editor, além de ter dado aulas para a Maestrina Chiquinha Gonzaga, já  adulta, quando ela quis aperfeiçoar sua técnica pianística.
 
Arthur Napoleão dos Santos era português e apenas quatro anos mais novo que Tobias Barreto. Fez carreira como  pianista prodígio na Europa, apresentando-se   em diversos países, e veio ao Brasil aos 14 anos, ocasião em que Tobias Barreto deve tê-lo assistido, pois escreveu um longo poema, de 8 estrofes, em sua homenagem. Neste poema, ele diz coisas como: “Quantos anjos não quiseram/contigo trocar as mãos!” (...)  e, nos versos finais, “O teu piano é uma força/e o teu talento  uma lei”.

Não obstante sua grande admiração pelos músicos em geral e sua louvação ao piano, Tobias Barreto não parecia acreditar muito no interesse dos brasileiros por uma música mais fina. Pelo menos é o que revela seu poema

ANO BOM    

Era um claro salão. Moças brincavam
pela entrada feliz do novo ano.
Mãozinhas d’anjo saltitavam cândidas
sobre o teclado do ótimo piano.

Um sertanejo, que presente estava,
de rude trajo e sapatões de sola,
diz ao dono da casa em tom agreste:
“Capitão, mande vir uma viola...”

Hilaridade! O bruto continua:
“Não sei que graça tem o tal piano...”
E, volvendo-se às moças que o encaram:
“Vossas mercês não gostam do Bahiano?”

Gargalhada geral. “Como? Isto é sério?”
Replica o monstro que se erguendo avança
para as meninas e lhes diz convicto:
“Não duvidem; eu toco e tudo dança”.

Chega a viola, o único pecúlio
de um dos muitos escravos da fazenda,
mas falta o arame; manda-se um moleque
buscar depressa um carretel na venda.

Volta o emissário; a cousa está completa
e  o sertanejo  afina o instrumento;
começa o toque, um sétimo batido
no estilo bárbaro em que sopra o vento.

Ninguém resiste!... Ao som,  que sai do peito
da viola franzina e amarela,
os homens formam roda, e as próprias moças
não têm reservas e se metem nela...

Chovem as palmas, o baiano impera:
em círculo tão nobre um fato raro!...
Movimentos, requebros e trejeitos,
de que vergonha é natural reparo.

Mas nem todas, que dançam,  mostram queda
para o mister. Aquela  é desasada,
move o corpo sem graça e...coitadinha!...
nem sequer sabe dar uma umbigada!...

Porém a bela do piano...espanta!...
Pisada e porte de pessoa destra,
abre os braços, que mimo! O diabrete
saracoteia, como velha mestra.

A  loura coma esparsa!...Onde esta moça
já viu dançar-se ao toque da viola?
Pondo a língua entre os dentes, dá sorrindo
um estalo que finge castanhola!...

E o baiano prossegue, o fogo aumenta,
tudo ali se transforma em harmonia;
mas, por engano, topam no matuto
que termina e repete; “Eu não dizia?!...”

(Este ensaio é dedicado a meu primo, José Gomes de Lima, morador de Aracaju, cidade onde morou Tobias Barreto)