terça-feira, 29 de novembro de 2011

AO NORTE DO HORIZONTE - O EXÍLIO COMO TEMA LITERÁRIO

AO NORTE DO HORIZONTE, romance de Branca Ferrari (São Paulo, Biblos Editora, 2011) retoma um tema que vem sendo visitado há cerca de quarenta anos e que parece estar longe de se extinguir: o de uma juventude que tem o futuro despedaçado por ditaduras e repressão policial. Neste caso, é uma juventude que se reúne em Paris, dedica-se aos estudos universitários e ao mesmo tempo tenta socorrer as vítimas de seus países.

O pano de fundo de toda a ação é o romance entre uma brasileira e um alemão.Este, se não se mostra decididamente de esquerda, é pelo menos um elemento de resistência ao nazismo que, de forma aberta ou disfarçada, tenta se instaurar novamente em seu país. A narrativa é toda feita em primeira pessoa - do ponto de vista de Vivi, a brasileira - mas a inserção recorrente de várias vozes, de vários personagens, em discurso direto, atenua esta visão e não deixa que ela seja monopolizadora.

A narrativa principal é alternada por diversas outras secundárias, não menos interessantes, como história de Maria Amélia e Luiz, e a de José Maria, um travesti brasileiro, que salva um perseguido da polícia simplesmente transformando-o também em um travesti. Como se vê, o tom geral da narrativa está longe de ser depressivo e até culmina em um final feliz, o que, na vida real, nem sempre foi assim.

Não é no que está escrito, entretanto, que a autora denota sua vivência de militante, mas em certas ausências: os personagens principais, por exemplo, têm nome, mas não sobrenome. Fica para o leitor decidir se aquele prenome é ou não um codinome. A própria narradora, por exemplo, é, durante todo o romance, apenas Vivi ...
Um outro indício da militância está num elemento que coloca a esquerda em um plano altamente romântico: o número de poemas, em espanhol, italiano ou francês, que em diversos momentos, felizes ou infelizes, os personagens declamam. No Brasil, era a música popular esse elemento catalizador de ações. E ainda a infindável sede de leitura de Vivi, a livraria e editora de seu namorado, que revelam o comprometimento teórico da esquerda, embora em nenhum momento os autores dos livros lidos pelos personagens sejam citados.

É altamente positivo que se mantenha o tom de toda a narrativa, pois ele aponta para uma superação de antiga dores e a aceitação das cicatrizes antigas. Talvez seja essa a intenção de Branca Ferrari, na epígrafe escolhida: “Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um porto de partida” – Eduardo Galeano.

COMO ADQUIRIR: Através da
www.amazon.com/books (digitar o título em português)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PROCURAÇÕES : SIM OU NÃO?

No Condomínio em que habito, vem sendo discutida com certa freqüência, nos últimos tempos, a possibilidade de reduzir o número de procurações para as Assembléias em que são votadas questões de maior ou menor relevância.

Pessoalmente discordo dessa limitação, que não consta nem da Convenção de Condomínio e que não é especificada pelo Código Civil, que legisla sobre a matéria.

A razão desta minha discordância é uma simples hipótese: o vislumbre da possibilidade de manipulação, por parte de grupos que queiram a tomar o poder ou que venham a tomá-lo. As restrições podem ser perigosas, em caso de má-fé, pela possibilidade de manipular os condôminos que em geral dão procurações.
Os condomínios cada vez mais têm população quase que flutuante, de modo que dificilmente podemos conhecer cada vizinho e, muito menos, reconhecer-lhe as qualidade morais e sua probidade como cidadão.

Em realidade, nem sempre as pessoas que delegam seu poder de voto a outrem o fazem por comodismo; as razões podem ser muitas, e vão desde uma opinião pouco clara a respeito de tópicos da pauta – caso em que o condômino delega seu voto a quem ele acha que está mais informado e o representa bem – até motivos de saúde.

Outra realidade que necessariamente deve ser levada em consideração é o envelhecimento da população. Muitos pessoas que não comparecem a reuniões de condomínio não ouvem bem, dormem muito cedo, enfim, têm uma vida restrita pela própria idade. Levá-los a confiar em quem não mereceria confiança pode ser muito fácil. E também muito perigoso, já que todas as manipulações, em geral, apontam para um ponto muito frágil da população: o próprio bolso.

E permitir manipulações em matéria que exige tanta seriedade, em uma economia muito incerta como a nossa, em que o desemprego é um fantasma e aposentadoria, quando há, é passível de altos e baixos, é expor-se a um alto risco – pois, uma vez criada a via da restrição às procurações, revertê-la ou extingui-la é quase impossível.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

100 ANOS DO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Algumas palavras sobre a Exposição

Durante quinze dias consecutivos, de 15 a 30 de outubro de 2011, obras de oito artistas plásticos estiveram expostas no Espaço Paulista de Arte. O mote comum era o Teatro Municipal de São Paulo, em seu centenário.
Certamente, as obras foram produzidas em separado, sem que os artistas “combinassem” entre si as abordagens que escolheram. Mas o resultado mostrou inegáveis ilações, não só pelo tema comum, como pela condução dos olhares de pessoas de formações diferentes, em relação a um ícone da cultura paulistana.
Roberto Rossant explorou o tema das máscaras e as silhuetas esbatidas de uma bailarina curvada em agradecimento, com outra bailarina ao fundo, visível apenas em parte. Segundo suas próprias palavras, com as máscaras, volta-se para a origem grega da arte cênica. Já Wagner Aniceto, que se diz um pintor de paisagens urbanas, colocou também bailarinas, flutuando entre a agressividade do concreto da grande cidade.
Marcelo Neves, escultor, deslocou sua Catherine, uma mulher muito gorda em passo de dança, da languidez e fluidez usual das bailarinas. Em outras esculturas, mulheres também obesas se divertem num balanço. Será um alerta para a aceitação da beleza em todas as suas formas? E Catherine, dotada de um mecanismo, gira e gira...
Ferracioli se auto-retrata como Dom Quixote. E entre dois Quixotes coloca uma cena de ópera de Wagner.
“Você acha que o artista, hoje em dia, é quixotesco?”, perguntei. E ele apenas sorriu. Mas não negou.
Marcus Claudio nos mostra, em branco e preto, o que também foi retratado em branco e preto: os anônimos construtores do edifício, em quase totalidade artesãos italianos vindos especialmente para a construção e que aqui ficaram. (Uma bisneta procurava, no quadro, o indício de quem seria seu antepassado...) E o artista recria a chegada, em carroças, dos pianos Pleyel, adquiridos especialmente para a nova casa de espetáculos.
Surpresa! Alguém finalmente lembrou-se do Patrono do Teatro, nosso grande Carlos Gomes. Foi Gladys Maldaun, que retratou de diversos ângulos o compositor e seus principais personagens, representados em esculturas que circundam as escadas que vão para o Vale do Anhangabaú. Preterido na inauguração e no centenário do Teatro Municipal de São Paulo, e freqüentemente na programação anual, Carlos Gomes, na estátua e também nos quadros, parece carregar um peso: “Por que não nasci num país estrangeiro? Seria reconhecido no Brasil!”
Avelino retrata o Teatro por fora, ao anoitecer, com suas luzes, seu esplendor em dias de chuva e em dias de espetáculo. A multidão segue apressada. Talvez vejam, talvez não vejam o Teatro. Pois Avelino sempre o vê, quando passa, todos os dias, vindo do trabalho para sua casa. E lamenta a deterioração de um entorno que deveria merecer mais respeito.
Já Alexandre Reider se fixa nos músicos e, mais particularmente, em um músico: o Maestro Jamil Maluf, regendo a Orquestra Experimental de Repertório, criada por ele há quase vinte anos.
Muitas das pessoas que compareceram à Vernissage, no dia 22 de outubro, permaneceram por mais tempo do que pretendiam, para ver o Maestro, que chegaria em breve. Porque a música de todos os tempos e todos os países está sempre revivida e renovada, na pessoa dos grandes artistas que ocupam o palco diante de nós e especialmente para nós, o público.