quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

AOS MÉDICOS DO BRASIL, UMA MENSAGEM DE NATAL!



Nunca pensei que algum dia escreveria me dirigindo aos médicos, mas eis que este é um momento propício.
O novo milênio começou há apenas treze anos. Diante dessa percepção de algo tão novo, parece que mesmo a realidade de um passado recente, é algo muito distante. Há todo um marketing do futuro, um futuro só de tecnologias, superposto a um marketing do esquecimento e desprezo às conquistas difíceis e sofridas do passado.
Por isso me dirijo hoje aos médicos. Dentro desse contexto hostil ao passado, que permeia o ensino em geral, é bem possível que nenhum dos formandos em medicina, dos últimos dez anos, saiba quem foi, por exemplo, Albert Schweitzer.
Conheço muito mais o Albert Schweitzer músico e musicólogo que o Dr. Albert Schweitzer médico, mas o admiro igualmente pelas duas atividades. Pois o grande e reconhecido músico que ele era achou não ser suficiente tudo o que fez pela música, pela filosofia, pela teologia, assuntos de seu pleno domínio e, aos trinta anos foi estudar medicina na mesma universidade onde já era professor.
Formado, partiu para a África, instalando-se no Gabão, antiga colônia francesa, acompanhado da esposa, que além dos cursos de arte em que já era professora, cursou enfermagem para ajudá-lo. Apesar de quase não ter aparelhos, pois muitos não existiam, de não entender a língua nativa dos africanos, tinha sensibilidade, tinha bom-senso e, sobretudo, amava os seres vivos. E não os diminuía por serem menos favorecidos que ele próprio.
Periodicamente voltava à Europa, para dar concertos, fazer conferências sobre Bach e publicar seus livros, com a renda dos quais mantinha boa parte de seu trabalho no Gabão. Conseguiu inspirar gerações de médicos que compreenderam o fundamento da profissão que escolheram e buscaram exercê-la tão plenamente quanto ele.
Albert Schweitzer, nascido em 1875 e falecido em 1965, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1952. Seu exemplo de dignidade, seu conhecimento filosófico e teológico e principalmente sua prática de amor ao próximo e respeito à vida (que o fazia cuidar também dos animais) iluminaram muitas gerações.
Todos os formandos dos últimos dez anos sabem, certamente, quem foi Zilda Arns, e ouviram falar da Pastoral da Criança que, com soluções simples, como o soro caseiro, conseguiu diminuir a mortalidade infantil no Brasil e na América Latina. A Dra. Zilda Arns (1934-2010) foi indicada também, em 2006, ao Prêmio Nobel da Paz. Mas sua morte num terremoto no Haiti, país de extrema pobreza e condições geográficas adversas, e onde ela difundia os ensinamentos da Pastoral, a tornam nosso exemplo mais brilhante e significativo.
Há outros exemplos, como os Médicos sem Fronteiras, o antigo Projeto Rondon (que percorreu o Brasil). E há casos isolados de pessoas que abrem mão do conforto e benesses dos grandes centros para ajudar todos os que precisam, neste imenso Brasil, no qual só a desigualdade social é maior que seus contrastes físicos.
Para os que argumentam com a falta de infra-estrutura para o exercício da medicina, mas também não a cobram nem a solicitam, vou contar uma história que aconteceu comigo, na adolescência.
Dos doze para os treze anos, fui gradativamente perdendo não a capacidade de ver, mas a capacidade de distinguir o que via. As imagens se tornaram cada vez menos nítidas, de modo que, mesmo sentando na primeira fila na escola, eu não conseguia enxergar o que estava escrito na lousa. Isto aconteceu num período de tempo muito curto, menos de um mês, e logo fui encaminhada a um oftalmologista, que diagnosticou quatro graus de miopia.
Cerca de um ano depois fomos a Alagoas, terra de meu pai e, em visita aos muitos conhecidos da região (Tingui, município de Água Branca), chegamos à casa de um casal cuja esposa era, diziam todos, “cega”.
Não sei se alguém falou da minha miopia, mas num dado momento, a “cega” chegou perto de mim e perguntou se poderia colocar os meus óculos.
Deixei.
Então, para surpresa de todos, ela começou a rir alto, de alegria. Ora da janela, ora da porta, ela apontava, de um lado, a árvore, da qual tinha se esquecido; de outro, um telhado lá ao longe, de uma casa que ela não sabia que havia sido construída... Ela olhou a própria sala de sua casa com surpresa, descobriu pequenas coisas que não via. Olhou seu próprio rosto no espelho, e passou a mão pelas faces, pelos cabelos, descobrindo, descobrindo, descobrindo...
Mas lá não havia médicos...
Quantos casos simples de resolver teriam diminuído o sofrimento e o desconforto de tantas pessoas, com mais boa vontade de parte dos governantes e dos próprios médicos? Este fato que narrei aconteceu nos anos sessenta. E de lá para cá, não obstante a entrada, no país, de inúmeros aparelhos capazes de diagnósticos precisos, não obstante o número de faculdades de medicina ter aumentado muito, o problema da Saúde em geral continua o mesmo, ou piorou.
O atendimento médico às classes menos favorecidas nos grandes centros ou nos longínquos cantões do país não difere muito. Portanto, se o esforço no sentido de melhorar esse atendimento se dirigiu para estrangeiros, esgotadas as possibilidades de contratação de médicos brasileiros, não aceitem o fato, se não quiserem – mas não censurem ou se oponham aos médicos que vieram. Não esqueçam – sobretudo os que cursaram Medicina em universidades públicas – que os seus anos de estudo foram custeados com os impostos destes sofridos, tão sofridos brasileiros pobres ou miseráveis, das periferias ou dos vilarejos.
Não argumentem, por favor, que os médicos cubanos representam “trabalho escravo” porque repassam a maior parte de seus salários ao governo de seu país. Quando armarem suas árvores de Natal, com enfeites chineses cheios de brilho e distribuírem presentes “xing-ling”, tão modernos e tão baratos, perguntem se não é o trabalho infinitamente mal remunerado, aviltante, que faz o preço de tudo isso ser tão irrisório. Perguntem o que abaixa o custo dos produtos a níveis quase impossíveis.
E sob uma estrela de plástico cheia de glitter, peçam “paz na terra aos homens de boa vontade”.
De boa vontade.