sexta-feira, 23 de junho de 2017

GUILHERME MORENO – UM VIOLÃO E MUITOS PROJETOS


No dia 31 de maio, fomos assistir ao violonista Guilherme Moreno. Ele se apresentou no Musicalis Núcleo de Música, Escola e Auditório, da família Goussinsky, onde se realiza há vinte anos um Concurso de Violão.

Fiquei feliz ao ver, mais uma vez, um rapaz tão jovem seguir um desejo e um sonho: conhecer o mundo da música para desvendar seu mistério – ou seus mistérios... E a música tem muitos...

Tocando violão desde a adolescência, em grupinhos de amigos de Vicente de Carvalho, SP, ele começou a estudar mais seriamente em 2008, no Projeto Social Violodum.  Guilherme se interessou cada vez mais pelo instrumento e foi para uma escola, em Cubatão, onde estudou com Eliseu Lima e Carlos Toledo; depois, com Fred Lincoln e Thiago Moura, no Guarujá, onde conheceu a música clássica. As aulas eram em grupo, o que facilita a integração com outros músicos; de 2010 a 2015 tocou na Camerata Brasilis e também fez duo com Gustavo Alves.

Sua vocação para a didática do instrumento possivelmente surgiu quando apresentou, por duas vezes, o curso Violão – Panorama Histórico, em que explica a relação do instrumento com a História da Música, ilustrando o Curso uma vez com violão solo, e outra em duo com Cauã Canilha. Com esse enfoque, almeja entrar no processo para pós-graduação: para se especializar na Didática de seu instrumento. E já se prepara estudando a didática de Mauro Giuliani.

Como recitalista, Guilherme interpreta os brasileiros Villa-Lobos, Almeida Prado e Edino Krieger, e pretende estudar Camargo Guarnieri e Francisco Mignone. Já tocou em Master-Classes, com professores estrangeiros. Como professor, estudou a Filosofia Suzuki com a Profa. Renata Pereira, e leciona na Escola Suzuki de São Paulo.

Claro que o fato de começar a estudar tão cedo (agora está com 22 anos e no último ano de graduação) e ter como mestre Edelton Gloeden, grande referência como intérprete e como mestre do instrumento, são circunstâncias de peso. Os grandes mestres ensinam a boa técnica e o respeito pelo compositor que estão interpretando. Mas a calma e a integração com o instrumento são dons, nascem com a pessoa.

Foi isso que sentimos em seu recital. Ele interpretou o uruguaio Abel Carlevaro (1916-2001), Federico Mompou (1893-1987) e Leo Brower (1939). O primeiro e o último são grandes nomes da literatura violonística; Mompou, todavia, escreveu para violão apenas a Suite Compostelana, peça que Guilherme apresentou. A combinação e a seqüência das peças revelaram muito equilíbrio; e Mompou, que já conhecíamos de peças para piano, soou como se estivesse sendo tocada num cravo, e com uma leitura extremamente adequada.

Prevemos para Guilherme muito sucesso. Não necessariamente um sucesso midiático, como os dias de hoje oferecem àqueles que fazem da interpretação musical um espetáculo pirotécnico, mesmo em músicas que não são adequadas para isso. Mas aquele sucesso maior, mais duradouro, que se chama respeito.

Pois é isso que Guilherme Moreno merece. Na medida em que ele respeita o autor e a ele se integra, sem fazer da obra um motivo para exibicionismo, está exercendo a mais nobre função do intérprete: ser o alter ego do compositor, e assim mostrá-lo como ele se define. E para isso é preciso ter qualidades que Guilherme tem de sobra, como empatia, técnica, respeito e sensibilidade.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

OUVINDO DALVA DE OLIVEIRA NA CASA DE MÁRIO DE ANDRADE


Hoje nos sentimos felizes. Sentir-se feliz não acontece todos os dias. E sentir-se feliz por estar ouvindo gravações antigas, se não é estranho, é pelo menos bem inusitado.

A Oficina Cultural Casa Mário de Andrade, na casa onde nosso polivalente intelectual morou boa parte de sua vida, promoveu uma homenagem à cantora Dalva de Oliveira. Ela completou seu centenário em 5 de maio último, e seu 45º aniversário de falecimento será no dia 31 de agosto próximo.

Como se vê, ela viveu pouco: apenas 55 anos. Mas nesse espaço de tempo, cantou muito. Na publicação GiraDisco, de 27 de maio de 2017 (hoje), há uma relação das músicas que ouvimos, em discos 78 r.p.m. e uma pequena história deste encontro: “São muitas, são todas, impossível escolher”, foi a resposta que Biancamaria Binazzi, a radialista e produtora cultural que conduziu o evento, obteve de internautas (principalmente pesquisadores, músicos e colecionadores), quando perguntou qual a gravação preferida de cada um.

A amostragem sonora, e também a hemeroteca exibida em vitrinas, foi muito interessante. Gilberto Inácio Gonçalves pilotou a vitrola com a competência de sempre e Claudevan Melo emprestou seu incrível acervo de jornais e revistas sobre Dalva de Oliveira. Tudo o que foi apresentado mostrou bem o merecido sucesso da estrela.

A publicação GiraDisco, organizada por títulos das músicas, com nome de intérpretes, autores, datas de gravação, selo e nº de cada disco ouvido, guiou a audição. E informa resumidamente os principais fatos da carreira da cantora, de modo a permitir seqüenciar sua vida musical e pessoal.

UMA PRESENÇA MUITO SIGNIFICATIVA: ALAÍDE COSTA

O evento contou com a presença da cantora Alaíde Costa, que foi amiga de Dalva. Ela também é uma cantora de grandes méritos, presença marcante e nome registrado com letras maiúsculas na história da MPB. Uma continuadora da tradição de belas vozes e leituras expressivas. Quem não se lembra da doçura com que Alaíde canta “Hoje a noite não tem luar, e eu não sei onde te encontrar”? Lá estava ela, Alaíde, nos programas musicalmente inteligentes de TVs, Rádios e depois FMs da década de 60 e posteriores. E também ela foi homenageada quando ouvimos sua primeira gravação, de 1957... Sessenta anos!

Ângela Maria, também convidada para esta tarde, não pode comparecer por estar fora de São Paulo. Mas mandou mensagem gravada. E Maria Betânia, também em gravação, falou da influência de Dalva na modelagem de sua vocação de cantora.    

MUITO A DIZER

A excelente “discação” (como Mário de Andrade chamava os encontros para ouvir gravações), não trouxe tudo que a cantora gravou, mas tem inúmeros aspectos que podem ser analisados, no conjunto das músicas apresentadas. Como o grande número de compositores gravados por Dalva, sua versatilidade e a variedade de gêneros e ritmos.

Sabemos que Mário de Andrade tinha muito cuidado com a questão da emissão vocal, tanto que realizou em 1937 o Congresso da Língua Nacional Cantada. 1937: o mesmo ano em que Dalva iniciava sua carreira na música popular. E podemos acrescentar que ela realizou plenamente a expectativa dos estudiosos, pela clareza e precisão com que emite cada consoante, em qualquer nota de seu registro tão extenso. Em uma das músicas ouvidas, observei que ela ultrapassou em uma ou duas notas a extensão de duas oitavas.

Dalva de Oliveira tem muitíssimos admiradores, como o escritor João Elísio Fonseca, autor de A estrela Dalva. Ele esteve presente e nos entusiasmou a todos ao mostrar seu livro sobre a cantora. Presente também o cantor Raimundo José, fã de carteirinha, e muitos outros que já encontramos em outras “discações”... Todos estavam tão entusiasmados que queríamos ouvir mais. Então, percebendo que a grandeza da artista não cabe em apenas um encontro, nós, os felizes ouvintes, fizemos um abaixo-assinado solicitando uma outra “discação” com a nossa  Estrela Dalva.

Palmas a Dalva. Palmas à Casa de Mário de Andrade.

E palmas a todos os que lutam para que nossa memória musical não desapareça...

São Paulo, 27 de maio de 2017