domingo, 3 de outubro de 2010

ISAÍAS SÁVIO E O VIOLÃO NO BRASIL

O violão chegou ao Brasil através dos portugueses, povo de plangentes guitarras. Por muitos e muitos anos, foi o único som musical a se misturar aos sons da floresta, ou ao som dos trabalhadores, ou ao som das lides do dia a dia, nas modestas casas brasileiras. Instrumento sobretudo popular, tão amado pelo povo, o violão foi, durante muito tempo, discriminado nos salões da aristocracia e da burguesia.

Em 1914, a Primeira Dama do país, Nair de Teffé, esposa do Marechal Hermes da Fonseca, resolveu chocar a sociedade carioca. Que fez ela? Escolheu justamente o violão, esse instrumento tão discriminado, para tocar a peça Corta Jaca, de Chiquinha Gonzaga. A imprensa foi veemente, quase demoliu o Catete! Afinal, não ficava bem a uma senhora de alta categoria social tocar violão, instrumento considerado de vadios e desocupados.

De 1914 para cá, muita água passou por baixo da ponte. O Brasil teve Canhoto, João Pernambuco, Garoto e muitos outros, que se consagraram como grandes intérpretes e grandes compositores de peças violonísticas imortais. Até mesmo Heitor Villa-Lobos, reconhecido internacionalmente, dedicou-se ao violão e criou lindas peças para este instrumento, inclusive os Choros.

CONSAGRANDO O VIOLÃO

Mas, se hoje, este belo e expressivo instrumento conta com a dignidade de uma oficialização, através dos cursos de Conservatórios e de Faculdades, muito disso se deve à figura simpática e competente de Isaías Sávio.

Nascido em Montevidéu no dia 1º. de outubro de 1900, Isaías Sávio revelou-se musicalmente dotado desde cedo, mas só escolheu o violão depois de passar um pouco pelo piano e de fazer estudos teóricos. Tendo encontrado sua verdadeira vocação, a ela se dedicou com afinco, e em breve colheu belos frutos. Em 1912, ainda garoto, compôs Caixinha de Música, até hoje uma das peças de maior sucesso entre os violonistas. Aos quinze anos, estreou como concertista em sua cidade natal. Mais tarde, foi para a Argentina, onde se aperfeiçoou com Miguel Llobet, famoso guitarrista espanhol. De Buenos Aires, onde viveu de 1924 a 1930, veio para o Brasil, terra que o acolheu em um momento muito propício, pois os princípios nacionalistas começavam a dar frutos; assim sendo, o instrumento de legítima preferência do povo brasileiro começava a ser aceito também pela sociedade. Isaías estreou em Porto Alegre em 1931, residiu uns tempos no Rio de Janeiro e de lá veio para São Paulo, onde viveu até falecer, em 1977.

A CONTRIBUIÇÃO DIDÁTICA

De sólida formação erudita, Isaías Sávio não só formou grandes concertistas como também artistas que se dedicaram à música popular. Mas sua grande contribuição para a aceitação plena e para o desenvolvimento do estudo do violão no Brasil foi dada no ano de 1947, quando apresentou ao Diretor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Dr. Carlos A. Gomes Cardim Filho, a proposta da criação da cadeira deste instrumento. Com grande simplicidade, o Mestre observava, entre outras coisas, que ”la guitarra se ha elevado al nivel de los demás instrumentos solistas. Porque hoy posué una literatura propia, digna del mayor interes y estúdio, como tambiém una historia evolutiva juntamente com los demás instrumentos de cuerda”.

A semente estava plantada. E, no ano de 1948, a imprensa paulista noticiava, com grande ênfase, que se realizara em São Paulo a formatura da primeira turma de violão, sendo a primeira graduanda a Sra. Julieta Correa Antunes.

A HERANÇA DE SÁVIO

Em 1963, Isaías Sávio naturalizou-se brasileiro. Em 1965, com grandes festas, comemorou seu Jubileu de Ouro. Participando do Programa comemorativo, nomes que hoje brilham e fazem brilhar o violão: Paulinho Nogueira, Antonio Carlos Guedes Barbosa, Henrique Pinto...Cada qual tem sua técnica, seu modo particular de tocar e ensinar o violão, sua maneira característica de se expressar musicalmente. Mas seu ponto de confluência é o respeito comum ao grande Mestre Isaías Sávio, de quem são herdeiros e continuadores.

(Publicado no jornal NOTAS RICORDI, Informativo de Música, ano I nr 3, Dez 93/Fev 94, P. 1)

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