quinta-feira, 25 de novembro de 2010

FRANCISCA JÚLIA: POEMAS PARA NÃO ESQUECER

ESTELA

Como dorme feliz, anjo adorado,
nesse teu berço, assim... tu, cujos olhos
nunca viram misérias nem abrolhos
mas vêem somente o maternal cuidado.

O anjo da guarda está velando ao lado
do teu berço, a sorrir... Os teus antolhos
são, por enquanto, os ondulantes folhos
do teu bercinho de ébano lavrado.

Dorme, que enquanto o querubim te vela,
ele te envolve nessa etérea veste
que usam no céu os querubins, Estela;

dorme; o teu sonho cheio de fulgores,
decerto eleva-te a um país celeste
todo cheio de pássaros e flores.

RÚSTICA

Da casinha em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água clara e sonora.
Este é o ninho feliz e obscuro em que ela mora
Além, o seu quintal; este, o seu aposento.


Vem do campo, a correr; e úmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora,
Que parece trazer consigo, lá de fora,
Na desordem da roupa e do cabelo, o vento...

E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a inocência bóia;
Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno,

Pegando da costura à luz da clarabóia,
Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de jóia.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora tenha sido quase esquecida depois de sua morte e do Modernismo, Francisca Júlia teve em vida uma plenitude que poucos tiveram, pois seu trabalho como poetisa foi muito reconhecido por seus contemporâneos, e sua vida particular indica uma felicidade rara que também poucos tiveram.

Mas é preciso atualizar alguns conceitos que, por nunca terem sido revisados, passaram para a história sem questionamento. O primeiro é que seria ela uma poetisa que levou às últimas conseqüências as normas da escola parnasiana, quanto à perfeição formal e quanto a um distanciamento que permite apenas a visão exterior do tema enfocado. Quanto à perfeição formal, pelo menos em seus poemas mais conhecidos, não há reparo a fazer; quanto à visão apenas exteriorizada, não deixa de ser verdade, mas podemos acrescentar que em seus poemas há uma vivacidade que faz com que o quadro que ela pinta tenha movimento, cor, vida, ternura. Estela e Rústica o comprovam, logo à primeira leitura.

Um outro conceito que merece atualização é em relação ao seu casamento. Na época em que viveu, a escolha que ela fez de seu marido não era bem vista, sobretudo no meio literário. Foi cruel o que disseram dela e de Edmundo, como se, por não ser ele também um intelectual, a diminuísse. A arrogância de seu meio tinha uma forte dose de machismo, pois expressava o pensamento geral de que o homem é quem deveria ter uma posição intelectual “superior”( e aqui coloco a palavra entre aspas para destacar o preconceito em relação às mulheres e àqueles que não eram bacharéis).
Mas a visão renovada dos fatos, devido à reviravolta que se deu em relação às mulheres, nestes últimos quarenta anos, pode nos fazer rever esta bela figura que deve ter sido Edmundo Filadelpho Münster. Ele foi realmente um homem superior em espírito, um homem capaz de amar pelo amor, elevando sua talentosa esposa sem sentir-se nunca rebaixado (ou eles não teriam sido tão felizes)...

Edmundo Münster pode ser encarado hoje em dia como o protótipo do homem moderno: aquele que é capaz de aplaudir a companheira, incentivá-la, e não ter o relacionamento interpessoal como um fator de concorrência. Não escreveu versos, mas viveu em estado de poesia – porque a grandeza de seu espírito permitiu e estimulou.

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