segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMOR

Estes primeiros dias de novembro marcam os noventa anos da confirmação de uma das mais belas histórias de amor já vividas sob o céu da Paulicéia: a de Francisca Júlia e Edmundo Münster.

Noventa anos atrás a vida literária brasileira ainda vivia uma era parnasiana. A arte poética primava pela afirmação da forma, e uma constante apreciação da poesia, pelos próprios poetas e pelo público leitor, tornava extremados os princípios de escola. Dois anos depois, deflagrou-se o Movimento Modernista, em pleno ano do centenário da Independência – e a poesia declarou a independência do Belo pelo Belo, da Forma pela Forma.

Talvez a proximidade da morte de Francisca Júlia e os estertores do Parnasianismo tenha causado o esquecimento em que mergulharam todos os Apóstolos da mesma escola poética em que ela primou, como uma princesa. Princesa, não; rainha. Ela foi a seguidora mais fiel de todos os cânones parnasianos, e era, já na época, considerada a artista suprema da escola em que primavam nomes como Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, entre outros ilustres representantes.

Todavia, seu sucesso não era bem recebido por muitos leitores. Não por razões literárias, mas porque ela era mulher; e, no pensamento de seus contemporâneos, uma mulher não deve ter um nome e um brilho próprios. É na biografia de Olavo Bilac que encontramos uma referência direta a essa restrição, pois, ao tomar conhecimento de carta grosseira de um leitor, publicada em um jornal, que dizia coisas pesadas a Francisca Júlia, não pelo conteúdo de seus poemas, mas por ser ela uma mulher, ele sugeriu a sua noiva Amélia de Oliveira – irmã do poeta Alberto de Oliveira – que nunca publicasse seus poemas, para não se expor.

Entre seus pares, todavia, Francisca Júlia sofria restrições por seu casamento com Edmundo Philadelpho Münster, um casamento de amor, de muito amor. As restrições se deviam ao fato de ser ele um homem simples, sem pretensões artísticas ou literárias. O preconceito parece ter sido manifestado bem às escâncaras, pois Aureliano Leite comentou a recusa da poeta em concorrer (ou a assumir) a uma vaga na Academia Brasileira de Letras “para não deixar à porta seu marido” (citado na revista Leia, ano XL, 1990, nr 135, p. 26).

Mas a prova mais cabal deste amor deu-se no dia 1º. de novembro de 1920. No dia 31 de outubro, Edmundo faleceu. Ao despedir-se do corpo, Francisca Júlia teve um colapso e morreu, sendo sepultada no dia seguinte, em campa adquirida por seu irmão, o também poeta Júlio Cesar da Silva.

Como as informações sobre o fato encontram algumas divergências (em fonte que não recordo, afirma-se que ela morreu muito depois dele e que a história dessa “morte de amor” era lendária), fomos confirmar no Cemitério do Araçá, depois de ter visto em uma publicação que Victor Brecheret fez uma escultura para seu túmulo.

Não foi preciso explicar aos funcionários da Administração do Cemitério quem era Francisca Júlia. Todos sabiam, e um deles nos contou orgulhosamente que ela nasceu na mesma cidade que seu pai (Xiririca, hoje Eldorado Paulista). Imediatamente se prontificaram a nos mostrar o túmulo. Este possui uma placa informando que a escultura original de Brecheret, em mármore, foi transferida para a Pinacoteca, e que a substituição pela réplica em bronze foi autorizada pelos familiares da poetisa, mas não informa quem está ali sepultado.

Voltamos à Administração. Com enorme boa vontade, nos cederam, para consulta no local, o registro original, onde consta que Júlio César da Silva comprou o terreno no dia 1º. de novembro de 1920 para sepultar o cunhado, mas que dois dias depois sepultou também a própria irmã.

Se alguém duvida que se possa morrer de amor, visite o túmulo de Edmundo Philadelpho Münster e Francisca Júlia da Silva Münster. Fica logo à entrada, no portão principal, à direita, em uma rua sem calçamento.

O túmulo se distingue dos outros por uma estátua de bronze, de concepção moderna, em que a mulher representada tem um seio coberto e outro desnudo. Podemos interpretar este detalhe como uma referência à sua duplicidade, que até 1920 era muito rara: Francisca Júlia era artista, mas nunca deixou de ser também mulher.

E, apesar de ser Parnasiana, morreu de amor, como uma heroína romântica.

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