domingo, 29 de setembro de 2013

CORAL PAULISTANO – BRILHO MAIOR NA MÚSICA BRASILEIRA

      Quero falar, com grande alegria e admiração, da belíssima apresentação do Coral Paulistano, na data de 28 de setembro de 2013, em que este conjunto vocal, criado por Mário de Andrade, retomou sua vocação inicial: a música brasileira, vocal e de câmara. É importante frisar que esta é uma vocação inicial, primordial, uma vocação que deveria ser visceral, que jamais fosse abolida. Entretanto, ela foi sendo gradativamente abandonada. Mas a retomada desta vocação, neste evento ímpar, ainda que breve e pontual, deve ser mantida.
Durante uma hora, as vozes femininas do Coral Paulistano, um contratenor, a pianista Rosana Civile e o cantor-regente Sérgio Werneck resgataram um repertório que hoje em dia raramente é apresentado: quinze peças cantadas em português, de grandes compositores e grandes poetas, além de textos de origem indígena ou afro-brasileira!
Desde Alberto Nepomuceno (1864-1920), pioneiro do canto em português, até João Guilherme Ripper (1959), e contando com a presença do mestre Edmundo Villani-Côrtes, as canções acompanhadas ao piano, ou coral com solistas, mostraram muito do que nossos poetas e compositores criaram com tanto brilho. E esta é a expressão brasileira do canto, tal como Mário de Andrade demonstrou, ao fazer do Coral Paulistano o principal veículo das peças corais já existentes, e das que ainda fossem criadas por nossos compositores.
E esta apresentação mostrou também como o Coral Paulistano, em conjunto ou em cada intérprete, tem rara qualidade vocal.
Posso me manifestar como ouvinte atenta e encantada, e também como ex-Chefe do Arquivo de Partituras do Teatro Municipal. Nessa função, de 1992 a 2004, além de atender a demanda dos Corpos Estáveis, inventariei, com ajuda dos funcionários, os mais de 10.000 títulos de obras existentes na entidade. Depois de tantos anos passados, claro que não posso lembrar, em termos de estatística, os meios de expressão do acervo, mas lembro muito bem que o Coral Paulistano teria cerca de 4.000 títulos, ou mais.
Boa parte dessas partituras, naturalmente, é de obras vocais de grandes autores da música européia, algumas com texto original, outras com texto traduzido. Outra parte é de arranjos de música popular midiática, nacional e internacional, principalmente dos últimos anos, quando se investiu apenas neste gênero. Digamos que sobram entre 600 e 800 títulos no mesmo espírito do ato de criação do Coral Paulistano, em 1936: canto coral em português, tratando de nossos temas mais próximos, de fundo folclórico (que Mário de Andrade chamava de “popular”) e seus correlatos de origem indígena ou afro-brasileira.
Se em apenas 15 músicas, nosso encantamento foi tanto, o que diríamos se pudéssemos ouvir pelo menos metade do acervo original do Coral Paulistano? Este material poético e musical está há tanto tempo esquecido, esperando que se resgate pelo canto o que está apenas no silêncio de uma partitura guardada.
Se alguém sinalizasse a existência de um tesouro, de bens materiais, no fundo do mar ou nas entranhas da terra, não haveria uma enorme corrida em busca desse bem? Por que então, quando se anuncia a existência de tesouros culturais esquecidos, as pessoas com poder decisório não querem ouvir, não querem ver, não querem saber? Que razão oculta tão poderosa é essa, que impede o resgate da imagem de um país, o resgate de uma identidade cultural própria, e ainda cala as poucas vozes que poderiam trazer à tona tanta beleza?
Que tipo de administração cultural deveríamos ter, que percebesse o respeito que as artes e os artistas merecem, como porta-vozes de um povo que, apesar das grandes diferenças regionais, se mantém coeso em termos de língua e musicalidade?
Pena que, às vésperas dos 70 anos de falecimento de Mário de Andrade (1945-2015), e dos 80 anos da criação do Coral Paulistano (1936-2016), se pretenda o fim deste conjunto vocal que tanto orgulho deu e dá aos paulistas. Mas é bem mais triste que em São Paulo e no Brasil nunca se adote a prática de “somar”, e sempre a de “excluir”.
É de triste lembrança a extinção do D.O. Leitura, jornal exclusivamente cultural, que foi tão importante para aqueles que se dedicam a variadas atividades intelectuais. Igualmente triste foi a extinção da Sinfonia Cultura, orquestra pequena em sua formação, em seu marketing quase inexistente, mas tão grande em suas realizações, pois fez mais pela música brasileira, em sua curta existência, que orquestras maiores.
Será que Golias tem medo de Davi?!... 
Nestes últimos anos, a opinião pública foi informada das vantagens de uma Fundação, no sentido de agilizar os trâmites para uma programação mais conveniente. Então, agora que se pode usufruir de mais facilidades administrativas e contratuais, por que não manter os grupos artísticos já existentes?
O Teatro Municipal é de ópera? Sim. Mas já não assistiu manifestações de todo gênero, em seus cem anos? Sim.
       E por último, mas não menos importante, uma pergunta que não quer calar, depois da intenção de se extinguir o Coral Paulistano: “Será que estamos mesmo numa democracia?...”

Coral Paulistano - Obras para coro feminino e piano.
Sábado, 28 de setembro de 2013, às 16h
Sala do Conservatório - Praça das Artes
Teatro Municipal de São Paulo

4 comentários:

Jujú disse...

Fico muito feliz com este texto afinal meu pai já falecido fez parte do Coral paulistano por 35 anos Leoncio Ernesto de Moraes Forjaz era o nome dele , parabéns pelo texto !
Maria Judith Forjaz Zuquim Militerno
judithforjaz@gmail.com

Chantal disse...

Nilcéia, adorei seu texto: lúcido, corajoso e verdadeiro. Já assinei em protesto a essa decisão de excluir o Coral Paulistano. Como você bem disse, vamos somar, vamos agregar mais vozes e mais pessoas a nossa tão esquecida cultura. E nesse caso especificamente, com todo o legado riquíssimo do Coral, é uma insensatez a extinção do grupo. Abraços, Chantal
chantal@29horas.com.br

Estela disse...

VERGONHA

De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
- Rui Barbosa- (Ruy Barbosa)
Nada a acrescentar...

Estela disse...

Ola Nilcéia
Parabéns porque v.existe e pensa assim!
É uma injustiça, para variar(?). Não!!! Como costuma acontecer!!!!!!!