domingo, 15 de agosto de 2010

MINHA PRIMEIRA PROFESSORA DE PIANO

Acho que ela não tinha intenção de se tornar professora. E acho, até, que nunca mais deu aulas de piano, só para mim.

Então, aquela jovem senhora, recém casada, vinda de Curitiba, trazendo seu piano, só concordou em dar aulas para a filha de seus vizinhos por amizade e por carinho. Afinal, a vizinha sempre a ajudava quando ela, na primeira gravidez, passava mal durante dias a fio. E ela achava muita graça na menina de cinco anos que, sempre que aprendia uma nota nova, queria escrever uma música...

Acho também que não foi por muito tempo, pois logo, no Colégio Salesiano recém inaugurado em Cambé, uma freira começou a dar aulas de piano. Além disso, o bebê já não deixava muito tempo para minha primeira professora, mamãe recente.

Um pouco mais tarde, - e eu era ainda criança - o casal e os dois filhos voltaram para Curitiba, onde os íamos visitar sempre que viajávamos para esta cidade. Pois a amizade perdurou por muito tempo. E alguns anos depois, também nós mudamos para Campinas, onde meus pais haviam descoberto que havia uma grande tradição de ensino de piano.

E eu já era adolescente quando soube que ela, aquela senhora elegante e fina, sempre arrumada – mesmo quando eu aparecia em casa dela logo de manhã – estava com um câncer devastador.

Ainda adolescente, me formei em piano. E logo depois fomos a Curitiba, e, como sempre, fomos visitá-la.

Ela estava em casa de sua mãe, sem poder sair do leito. Estava com um turbante azul, o rosto maquilado, batom bem vermelho, camisola e penhoar também azuis. Como sempre, elegante. Sentei ao lado dela, que sorriu o tempo todo, e ela me perguntou muitas coisas: os autores que eu mais gostava, como tinha sido minha formatura, se eu gostava de dar aulas... E parecia muito, muito feliz. Seus olhos brilhavam muito, e o sorriso não abandonou seu rosto em nenhum momento...

Pouco tempo depois, ela morreu.

Depois de muitos anos, falávamos de elegância. De repente, eu lembrei da minha primeira professora de piano.E perguntei à minha mãe porque uma pessoa tão doente, que nem podia sair da cama, estava tão maquilada. Pois só então eu percebi que isso era muito estranho.

E minha mãe me contou o que a mãe dela, na ocasião, lhe dissera: colocar uma maquilagem carregada, de cor bem forte, fora um pedido da própria doente.

Para que eu não percebesse o quanto ela estava abatida. Para que aquele, que ela sabia que seria o nosso último encontro, fosse só, só alegria.

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