quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CHIQUINHA GONZAGA E ERNESTO NAZARETH









CHIQUINHA  GONZAGA  E  ERNESTO   NAZARETH

A HARMONIA EM UM ENCONTRO DE PERSONALIDADES  OPOSTAS

Embora muito diferentes em seus aspectos biográficos, Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935), a CHIQUINHA GONZAGA  e Ernesto Julio de Nazareth, o NAZARETH (1863-1934) apresentam muitas semelhanças no que diz respeito  ao aspecto mais importante do que deixaram: sua música.

Compondo primordialmente para a camada intermediária da burguesia,na época uma classe média emergente, cultivadora do piano e dos saraus familiares, Nazareth, que cultuava a música de Chopin e sonhava em ser um virtuose do piano, compõe valsas inspiradíssimas e tangos buliçosos. O acabamento formal do que escreve revela, todavia, um conhecimento bem acentuado da música dos conjuntos populares, os chorões, onde aparecem com frequência os repiques dos cavaquinhos, os solos plangentes do violão, enfim, ele estiliza com primor os recursos desses instrumentos.

Chiquinha Gonzaga, todavia, voltou-se para o teatro e colocou sua inspiração na música programática de peças leves, sobretudo do teatro de revista, gênero sempre de passagem, já que voltado para o aqui-agora da cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império e depois da República. Mas esta escolha colocou-a frente à música cantada, de modo que muito do que ela compôs tem ou teve letra em algum momento,  às vezes até mais de uma letra e até  paródias muito maliciosas. Isto não impediu que as  músicas fossem tocadas  ao piano ou em conjuntos, como acontece com o célebre “Abre alas”, que tem uma letra original, uma variante que se tornou célebre e a versão só instrumental que é sempre ouvida, sobretudo no Carnaval.

CONTEMPORANEIDADE

Chiquinha Gonzaga era pouco mais de quinze anos mais velha que Nazareth; ele nasceu em março de 1863, em novembro do mesmo ano ela se casou. Quando ele compõe a primeira música editada, a polca “Cruz, perigo!”, em 1879, o teatro de revista, nos moldes do vaudeville, era apenas iniciado, através da criação de Arthur de Azevedo, “O  Rio de Janeiro em 1877”. E Chiquinha já atuava como o pianista e compositora, depois do naufrágio de seu segundo casamento, com João Batista de Carvalho. Em trinta anos, ela se profissionalizou, aprendeu a escrever para orquestra, tornou-se famosa e assumiu lutas em prol da própria categoria.Em 1917, enquanto o SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) tomava forma, por esforço sobretudo de Chiquinha Gonzaga, Nazareth perde a filha Maria de Lourdes. Uma luta pela categoria, outro sofre uma perda pessoal.

Com o advento da gravação, tanto Chiquinha Gonzaga como Ernesto Nazareth interpretam suas obras para os microfones dos aparelhos de época, no início do século XX, o que serve de referência para quem deseja conhecer-lhes a interpretação.  

Não apenas os sistemas de gravação, mas outros inventos que a tecnologia tornou possíveis e que hoje continuam sendo usados, muito aperfeiçoados, estão temporalmente inseridos em suas vidas: o automóvel, chamado “engenho” em seus primórdios, o telefone,  o avião, a produção de máquinas de escrever em escala industrial, o sistema periódico de elementos, a descoberta e exploração do petróleo, a iluminação a gás e depois a iluminação elétrica...Fatos históricos relevantes, como a Guerra do Paraguai e a guerra de Secessão, nos Estados Unidos, na década de 1860,a  Primeira Guerra Mundial... E, coisas menos sérias:os bailes carnavalescos em salões, que surgiram em 1847, ano do nascimento de Chiquinha, o confete, introduzido pela também compositora e empresária Viúva Guerreiro...

O MERECIDO  RECONHECIMENTO

Um  aspecto que marca a semelhança entre os dois está o reconhecimento que obtiveram, ainda em vida,  de nomes como Francisco Braga (1868  -1945), que escreveu carta no dia 17 de outubro de 1925, data em que Chiquinha foi homenageada:”Estarei em espírito, ahi, associando-me com muito enthusiasmo às manifestações que vaes receber, batendo palmas bem quentes, bem estrepitosas, cada vez que uma sentida cantilena brasileira da lavra da grande Chiquinha vibrar nesse ambiente culto de artistas da palavra e do som”. Já Nazareth  obteve reconhecimento de Alberto Nepomuceno(1864 -1920), que o convidou para apresentar-se nos Concertos Sinfônicos da Exposição Nacional em comemoração ao centenário de Abertura dos Portos (1808-1908), e o levou a apresentar-se no Instituto Nacional de Música, no qual acompanhou ao piano o violoncelista Heitor Villa-Lobos (1887-1959).Em 1922,homenageia Villa-Lobos dedicando-lhe  seu Improviso, e este dedica-lhe seu Choro nr 1, para violão.

Entretanto, ambos ficam por muito tempo fora das salas de concerto, apesar do reconhecimento  dedicado a cada um (em diferentes ocasiões) pelo grande musicógrafo Mário de Andrade (1893-1945). Não ficaram, entretanto, esquecidos pelos chorões e outros grupos populares cultivadores da música brasileira. A pianista Carolina Cardoso de Menezes (19   -2000) durante muitos anos manteve programa na Rádio Nacional do Rio de Janeiro cujo tema de introdução era o Brejeiro, de Nazareth. Mas, nas novas gerações, só em 1963 – centenário de nascimento de Ernesto Nazareth - o choro volta ao piano, com a gravação, por Eudóxia de Barros, do LP Ouro sobre Azul, com músicas desse compositor. A obra de Chiquinha Gonzaga, nunca de todo abandonada, voltou a ser ouvida na década de 1980 através da gravação de vários intérpretes no LP Evocação nr 2, do Selo Eldorado.

A aproximação dos inegáveis méritos de ambos ainda recentemente ficou evidenciada pela revisão e colocação das partituras de ambos, quase que simultaneamente, cada qual em seu próprio site, pelo Instituto Moreira Salles, que assim disponibiliza o acesso às suas obras.

De lá para cá, nestes 50 anos, o choro foi sendo gradativamente reconhecido pelos pianistas e hoje é interpretado por inúmeros instrumentistas virtuoses que apreciam as origens da legítima música brasileira urbana. 

NOSSO RECITAL COM OBRAS DE CHIQUINHA GONZAGA E ERNESTO NAZARETH

Ao somar os dois compositores, nenhum deles perde, e ambos ganham muito, pois são ambos inspirados, originais, brilhantes. Mesclar o repertório com obras de um e outro salienta o talento de ambos. Por isso, nesta apresentação de 14 peças de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, arranjadas para piano a 4 mãos de modo a  ressaltar seu caráter pianístico e ao mesmo tempo acrescentá-las de recursos dos conjuntos instrumentais de choro, fizemos o programa em uma ordem que obedece apenas à sequência do que entendemos ser mais bonito e mais agradável a quem ouve, sem qualquer intenção didática ou separação por autor.

Alternamos peças conhecidas com peças menos ouvidas, de modo a trazer a público, pelo chamariz do sucesso, músicas que merecem ser conhecidas e por acaso não são. Por vezes, mantemos o andamento muito brilhante que  pianistas virtuoses adotaram, e,  por outras vezes,  interpretamos pelo andamento menos brilhante, mas que é o indicado ou até gravado pelo próprio compositor.

Apenas a peça que fecha o programa recebe  tratamento diferenciado: o Corta-jaca – Gaúcho – Cá e lá, de Chiquinha Gonzaga, tem um arranjo que se aproxima de uma pequena fantasia. Esta é a música com a qual a maestrina, que recebeu o título “Alma Cantante do Brasil” encerrava suas apresentações. 
  

Um comentário:

Pedrita disse...

eu tinha recebido por email o convite para essa apresentação. gosto muito de chiquinha gonzaga e de ernesto nazareth. o link onde falo de uma composição sua no meu blog é http://mataharie007.blogspot.com.br/2012/07/recital-de-clarineta-e-piano.html
beijos, pedrita